A política na Bahia sempre foi um terreno movediço, onde alianças improváveis e manobras estratégicas desenham um cenário tão fascinante quanto controverso. Nos últimos tempos, o governador Jerônimo Rodrigues Souza tem colocado em prática uma tática que não passa despercebida: atrair prefeitos oposicionistas para sua base, utilizando como principal moeda de troca a liberação de recursos para os municípios. Essa estratégia, porém, não escapou das críticas afiadas do deputado estadual Tiago Brandão Correia, que acusa o governador de promover uma dança política onde a autenticidade das adesões é questionável. Para Correia, muitos prefeitos estão apenas buscando benefícios práticos, sem abandonar suas convicções ideológicas, o que levanta um debate essencial: essas alianças são movidas por pragmatismo ou configuram uma traição aos princípios que os elegeram?
Para compreender essa dinâmica, é necessário olhar para o histórico político da Bahia. Desde a redemocratização, o estado é palco de uma disputa entre grupos que, apesar de suas diferenças ideológicas, nunca hesitaram em formar pactos de conveniência. A estratégia de cooptar adversários não é invenção de Jerônimo Rodrigues – é uma prática enraizada na cultura política local. No entanto, sob sua gestão, essa tática ganhou intensidade, refletindo a necessidade de consolidar governabilidade em um estado onde o apoio municipal é crucial. O governador sabe que prefeitos, pressionados pelas demandas de suas cidades, muitas vezes se veem diante de um dilema: manter a coerência ideológica ou garantir os recursos que pavimentam ruas, constroem escolas e sustentam suas administrações.
Exemplos concretos ilustram essa tensão. Hildécio Meireles, prefeito de Cairu, historicamente alinhado à oposição, recentemente aproximou-se do governo estadual em busca de investimentos. Correia questiona: essa mudança é genuína ou apenas uma resposta às necessidades imediatas do município? Outro caso emblemático é o de Marcelo Belitardo, prefeito de Teixeira de Freitas. Com uma trajetória ligada ao bolsonarismo e alvo de duras críticas de Jerônimo e Lula durante a campanha eleitoral, Belitardo agora parece disposto a dialogar com o governo petista. Seria isso uma conversão política ou uma concessão pragmática em prol de sua cidade? Esses movimentos sugerem que, para muitos gestores, o bem-estar municipal fala mais alto que as bandeiras partidárias – uma escolha que, embora compreensível, não deixa de gerar desconforto entre os eleitores que os elegeram sob plataformas opostas.
Por outro lado, há prefeitos que resistem a essa sedução, pagando um preço alto por sua fidelidade ideológica. Zé Cocá, de Jequié, é um exemplo claro. Cotado como possível vice na chapa de ACM Neto, Cocá enfrenta uma oposição implacável do PSD, liderado pelo deputado federal Antônio Brito, que torna sua gestão um campo de batalha diário. Em Vitória da Conquista, Sheila Lemos vive uma situação igualmente desafiadora. Cercada pela influência avassaladora do PT e da máquina estadual, ela luta para manter seu projeto político em pé, sem ceder às pressões por alianças convenientes. Esses casos revelam o custo da coerência: a falta de apoio do governo estadual pode significar menos obras, menos serviços e, consequentemente, uma população insatisfeita. A resistência de Cocá e Lemos reflete a complexa relação entre interesses municipais e lealdade política, mostrando que a decisão de não aderir ao “jogo” tem consequências palpáveis.
A crítica de Tiago Brandão Correia, ao afirmar que muitos prefeitos estão “vivendo em Nárnia”, aponta para uma desconexão entre o discurso que os elegeu e as ações que tomam no poder. Mas há outro lado a considerar: a política, por essência, é um espaço de negociação. Prefeitos como Meireles e Belitardo podem argumentar que estão cumprindo seu dever ao buscar recursos, mesmo que isso exija engolir divergências passadas. A questão é se essa flexibilidade é aceitável ou se compromete a confiança dos eleitores, que esperam representantes fiéis às ideias que defenderam nas urnas. Na Bahia, onde as alianças são historicamente fluidas, esse dilema não é novo, mas a intensidade das manobras de Jerônimo Rodrigues reacende o debate sobre seus limites.
O impacto dessas estratégias na opinião pública é inegável. Para muitos cidadãos, a dança dos prefeitos pode soar como oportunismo puro, uma traição aos valores democráticos que deveriam guiar a política. Quando opositores se alinham ao governo em troca de favores, a percepção é de que o jogo político se reduz a interesses pessoais ou locais, em detrimento de um projeto coletivo. Isso alimenta o descrédito na classe política e fortalece a narrativa de que ideologias são apenas enfeites de campanha, descartados ao primeiro sinal de dificuldade. Além disso, a concentração de poder nas mãos do governador, ao enfraquecer a oposição, ameaça a pluralidade que sustenta a democracia local. Se as vozes dissidentes forem silenciadas por acordos pragmáticos, o risco é uma homogeneização que sufoca o debate e a representatividade.
Ainda assim, seria simplista condenar os prefeitos sem considerar o contexto em que atuam. Governar um município na Bahia, muitas vezes, é equilibrar-se entre a escassez de recursos e a pressão por resultados. A estratégia de Jerônimo Rodrigues explora essa vulnerabilidade, mas também responde a uma demanda real por apoio estatal. O desafio está em encontrar um meio-termo: como garantir o desenvolvimento local sem transformar a política em um balcão de negócios? A resposta não é simples, mas passa pela transparência nas negociações e pela cobrança ativa da sociedade. A população baiana precisa exigir que seus representantes expliquem suas escolhas, mantendo viva a chama da accountability que impede a política de descambar para o cinismo.
A coreografia desenhada por Jerônimo Rodrigues e dançada por prefeitos oposicionistas é, ao mesmo tempo, um reflexo da realidade política baiana e um alerta sobre seus rumos. Entre a necessidade de governar e a fidelidade ideológica, os gestores municipais seguem passos incertos, enquanto o governador busca consolidar seu palco de influência. Para a democracia local, o desfecho dessa dança dependerá da vigilância dos cidadãos e da capacidade dos políticos de equilibrar pragmatismo e princípios. Do contrário, o que resta é um espetáculo de belas promessas e poucos aplausos genuínos.