Era 11 de março de 1971, um mês e meio após o desaparecimento do engenheiro e político Rubens Paiva, quando o Brasil perdeu outro de seus filhos ilustres: o educador Anísio Teixeira. Seu “sumiço” naquela data, seguido pela descoberta de seu corpo três dias depois, em 14 de março, no fosso de um elevador, expõe uma ferida aberta na história brasileira. Sem sapatos, sem terno, o corpo de Teixeira foi encontrado em um espaço cujas vigas tinham apenas 20 cm de distância entre si — uma configuração que torna implausível a narrativa oficial de um acidente. Seus famosos óculos, intactos e sem um arranhão nas lentes, repousavam ao lado do corpo, como um testemunho silencioso de uma verdade encoberta. Este artigo de opinião, escrito sob a perspectiva de um historiador, busca não apenas reconstituir esse fato histórico, mas também refletir sobre o que a perda de Anísio Teixeira representou para o Brasil.
O Contexto: Uma Ditadura que Silenciava Ideias
A morte de Anísio Teixeira não pode ser compreendida fora do contexto da ditadura militar brasileira (1964-1985), um período de repressão feroz contra qualquer voz que desafiasse o regime. Intelectuais, artistas, estudantes e até mesmo cidadãos comuns foram alvos de uma máquina estatal que utilizava vigilância, tortura e assassinatos para consolidar seu poder. Teixeira, um pensador original e um dos maiores educadores da história brasileira, não escapou dessa lógica perversa.
Desde os anos 1930, ele era rotulado de “comunista” por setores conservadores, apesar de nunca ter pegado em armas ou integrado grupos de esquerda militantes. Seu “crime” era defender a igualdade de oportunidades e a educação integral — ideias que, inspiradas por filósofos como John Dewey, visavam formar cidadãos críticos e promover o desenvolvimento social. Para um regime autoritário que temia o pensamento livre, tais propostas eram uma ameaça. Seu trabalho no Chile, então sob o governo socialista de Salvador Allende, pode ter agravado as suspeitas contra ele, embora não haja evidências de que Teixeira tenha se envolvido em atividades políticas revolucionárias.
O Incidente: Uma Morte Encenada
Os detalhes do desaparecimento e da morte de Anísio Teixeira são reveladores. Em 11 de março de 1971, ele “sumiu”. Três dias depois, seu corpo foi encontrado no fosso de um elevador, mas o laudo oficial da ditadura, que classificou o caso como acidente, está repleto de inconsistências. Como um corpo poderia atravessar vigas separadas por apenas 20 cm? Por que seus óculos, um item tão associado à sua figura pública, estavam intactos ao lado do corpo, sugerindo que não houve uma queda acidental? Mais grave ainda: o laudo foi emitido em 12 de março, dois dias antes de o corpo ser oficialmente encontrado, em 14 de março. Essa discrepância temporal é uma evidência gritante de que a versão oficial foi fabricada para encobrir um assassinato político.
Os documentos públicos sobre o caso, disponíveis para consulta, reforçam a tese de que Anísio Teixeira foi torturado e morto pela ditadura militar, que em seguida jogou seu corpo no fosso para simular um acidente. Ele não era um guerrilheiro ou um subversivo armado; era um educador cujas ideias “diferentes” o tornaram um alvo. Sua execução revela a extensão da paranoia e da brutalidade do regime, que não poupava nem mesmo aqueles que se limitavam ao campo das ideias.
O Significado: Uma Perda Incalculável para o Brasil
A morte de Anísio Teixeira transcende o drama pessoal e assume uma dimensão simbólica para o Brasil. Ela representa a supressão violenta de um projeto de nação mais justo e igualitário, baseado na educação como ferramenta de transformação social. Teixeira defendia uma escola pública gratuita, de qualidade e acessível a todos, independentemente de origem ou classe social. Sua visão de educação integral — que ia além do ensino formal para incluir o desenvolvimento físico, emocional e ético dos estudantes — estava décadas à frente de seu tempo. Perdê-lo foi perder um dos poucos pensadores capazes de oferecer uma alternativa concreta ao atraso educacional e às desigualdades históricas do país.
Mais do que isso, sua morte é um testemunho da intolerância da ditadura militar diante de qualquer forma de dissenso. Mesmo sem representar uma ameaça direta ao poder, Teixeira foi eliminado por causa do potencial transformador de suas ideias. Esse ato de violência reflete o medo de um regime que sabia que o verdadeiro perigo não estava nas armas, mas no pensamento crítico e na possibilidade de um povo educado e consciente.
Para o Brasil, a perda de Teixeira foi um retrocesso cujas consequências reverberam até hoje. Em um país ainda marcado por desigualdades educacionais e exclusão social, sua ausência deixou um vazio que não foi plenamente preenchido. Além disso, sua morte serve como um alerta sobre os custos do autoritarismo: quando uma nação silencia suas mentes mais brilhantes, ela condena a si mesma ao atraso e à mediocridade.
A Memória Histórica como Resistência
Há quem, mesmo hoje, exalte ou defenda a ditadura militar, ignorando ou minimizando os crimes cometidos em nome da “ordem”. Contra essa narrativa revisionista, a história de Anísio Teixeira se ergue como um lembrete inescapável. Sua morte não foi um acidente, mas um assassinato planejado por um regime que temia o poder das ideias. Preservar essa memória é um ato de resistência e um dever ético, especialmente em um momento em que a democracia brasileira enfrenta desafios e tentações autoritárias.
Os documentos sobre o caso, públicos e acessíveis, são uma prova irrefutável da verdade. Eles nos convidam a olhar para o passado com honestidade, reconhecendo os erros e as atrocidades para que possamos construir um futuro diferente. Anísio Teixeira não merece apenas ser lembrado; merece ser honrado como um mártir da educação e da liberdade de pensamento.
Conclusão: Anísio Teixeira, Presente!
Anísio Teixeira foi mais do que um educador; foi um visionário que acreditava no potencial transformador da educação para libertar o Brasil de suas amarras históricas. Sua morte, em 14 de março de 1971, foi um golpe não apenas contra ele, mas contra todos os brasileiros que sonham com um país mais justo e humano. Perdê-lo significou perder uma chance de avançar mais rápido na luta por igualdade e dignidade.
Que sua memória nos inspire a continuar sua luta — por uma educação que emancipa, por uma sociedade que valoriza o pensamento crítico e por um Brasil que nunca mais permita que o autoritarismo apague suas vozes mais brilhantes. Anísio Teixeira, presente!
Bons dias são aqueles em que lembramos e aprendemos com nossa história.