A notícia de que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, finalizou a denúncia contra Jair Bolsonaro por liderar uma organização criminosa e tentar um golpe de Estado não é apenas um capítulo jurídico. É um teste decisivo para a democracia brasileira. O processo, que pode render ao ex-presidente até 28 anos de prisão, expõe uma verdade incômoda: o Brasil ainda não superou a cultura do autoritarismo que periodicamente ameaça suas instituições.
O Golpe que Não se Conforma com Derrotas
As acusações contra Bolsonaro, baseadas em relatório da Polícia Federal (PF), não são fruto de perseguição política, como alegam seus aliados. São resultado de provas concretas: minutas de decretos para fechar o STF e o Congresso, reuniões com militares para invalidar as urnas, e a mobilização de grupos que culminou nas invasões de 8 de janeiro de 2023. A tentativa de golpe foi meticulosa, sistemática e documentada.
A Lei 12.850, que tipifica organização criminosa, não foi escrita para presidentes, mas para chefes de milícia. Seu uso contra um ex-chefe de Estado revela a gravidade dos fatos: Bolsonaro não é acusado de um deslize, mas de arquitetar a destruição do Estado Democrático de Direito.
A Hipocrisia do “Patriota”
Há uma ironia trágica no fato de que Bolsonaro, que se autoproclamou “defensor da família e da pátria”, seja agora acusado de trair ambos. O mesmo líder que jurou proteger a Constituição é investigado por tramar seu desmonte. O mesmo homem que encheu a boca para falar em “liberdade” conspirou para silenciar o voto popular.
A estratégia de deslegitimação das eleições não foi um ato isolado. Foi uma campanha orquestrada que incluiu fake news, cerimônias militares para insuflar teorias conspiratórias e o estímulo a milícias digitais. O objetivo era claro: semear o caos para justificar uma intervenção.
O STF Entre a Lei e a Política
O Supremo Tribunal Federal (STF), agora responsável por julgar o caso, enfrenta um dilema histórico. Se condenar Bolsonaro, será acusado de parcialidade por seus apoiadores. Se absolvê-lo, manchará sua credibilidade como guardião da Constituição. A decisão terá repercussões além do Plenário: influenciará como futuros líderes enxergarão os limites do poder.
A postura do ministro Alexandre de Moraes, que já condenou envolvidos no 8 de janeiro a 17 anos de prisão, sugere que o tribunal não poupará o ex-presidente. Mas a independência judicial não deve ser confundida com vingança. O processo precisa ser exemplar não pela dureza da pena, mas pelo rigor probatório.
O Brasil no Espelho da História
O caso Bolsonaro ecoa julgamentos históricos. Em 2018, o ex-presidente peruano Alberto Fujimori foi condenado a 25 anos por crimes contra os direitos humanos. Em 2021, o americano Donald Trump foi impeachmentduplamente, mas escapou da condenação no Senado. Agora, o Brasil decide se seguirá o caminho do Peru, onde a Justiça prevaleceu, ou dos EUA, onde a política protegeu um líder golpista.
A diferença é que, no Brasil, as instituições ainda respiram. A PF investigou. O Ministério Público denunciou. O STF julgará. É um avanço e tanto para um país que, há 40 anos, saía de uma ditadura onde juízes serviam ao regime.
As Lições que Ficam
- Democracia não se defende com retórica, mas com instituições. Sem PF, MP e STF independentes, o plano bolsonarista teria triunfado.
- Nenhum líder é intocável. A lei deve valer para todos, especialmente para quem jurou cumpri-la.
- O preço do autoritarismo é alto, mas o da impunidade é catastrófico.
Conclusão: Mais que um Julgamento, um Recomeço
A denúncia contra Bolsonaro não é o fim, mas o início de um novo pacto social. Se o Brasil conseguir julgar seu ex-presidente sem revanchismo e com base na lei, dará um passo histórico. Se falhar, enviará a mensagem de que golpes podem ser tentados sem consequências.
Como escreveu o jurista Rui Barbosa, “a pior ditadura é a dos que se dizem donos da pátria”. Que este processo enterre de vez essa mentalidade. Afinal, democracia não é um presente. É uma conquista diária — e seu preço, como vemos, é eterna vigilância.