Política e Resenha

ARTIGO – Circo no Lugar de Saúde e Educação: O Espetáculo do Sertanejo “Embaixador” e o Povo Esquecido (Padre Carlos)

 

 

 

O Brasil está se tornando um palco de contradições alarmantes, onde o brilho das estrelas do entretenimento parece ofuscar a realidade de uma população carente. A CPI do Sertanejo, que colocou Gusttavo Lima no centro das atenções, expôs um triste retrato da gestão pública: o povo está morrendo por falta de saúde e educação, enquanto recursos destinados a esses serviços essenciais são drenados para shows milionários. Mas será que, ao fim, o problema está nos artistas ou na administração pública que usa o “circo” como ferramenta de distração?

 

A lógica do “pão e circo”, conhecida desde a Roma antiga, sempre foi uma maneira de acalmar as massas. Quando o povo não tem saúde, educação ou infraestrutura, o entretenimento vira uma válvula de escape — ou uma cortina de fumaça. O que a CPI revelou, no entanto, é que a cortina está se tornando tão espessa que já não é mais possível enxergar o sofrimento que ela esconde.

 

Gusttavo Lima, um dos maiores ícones da música sertaneja, se viu envolto em um escândalo que revela um padrão comum em prefeituras de pequenas cidades brasileiras. Conceição do Mato Dentro (MG), uma cidade de 20 mil habitantes, estava prestes a gastar R$ 1,2 milhão em um show do artista, utilizando verbas destinadas à saúde, educação e infraestrutura. O evento foi suspenso, mas a indignação persistiu: como uma cidade com tantas necessidades básicas não atendidas pode justificar um cachê milionário?

 

O cantor, em sua defesa, alegou que não cabe a ele fiscalizar as contas públicas e garantir que os recursos sejam empregados corretamente. De fato, a responsabilidade primária não é dele, mas o episódio levanta uma questão mais profunda: até que ponto as figuras públicas, como artistas de renome, podem se distanciar das consequências das suas interações com o poder público?

 

Em Teolândia, na Bahia, o cenário se repetiu. Uma cidade marcada pela pobreza e pela falta de serviços essenciais tentava justificar um pagamento de R$ 704 mil para uma apresentação de Gusttavo Lima. Novamente, o show foi cancelado, e a Justiça reconheceu que o gasto era incompatível com as necessidades da população. Casos semelhantes se espalharam por outras cidades, como Campo Alegre de Lourdes, onde o cachê de R$ 1,3 milhão superava o orçamento da pasta de cultura.

 

As justificativas variam, mas a realidade permanece a mesma: a verba que deveria salvar vidas, educar crianças e melhorar a qualidade de vida do cidadão comum está sendo usada para garantir algumas horas de festa e entretenimento. O show termina, as luzes se apagam, mas os problemas persistem.

 

Entretanto, é importante não focarmos apenas no artista. Ele é, em muitos casos, um sintoma de um problema muito maior: a gestão pública que falha em priorizar o que realmente importa. Quando uma prefeitura usa verbas destinadas à saúde e educação para bancar shows, não está apenas negando serviços básicos à população; está perpetuando um ciclo de alienação e descaso. O povo, desprovido de direitos essenciais, recebe o circo, mas onde está o pão?

 

A questão da participação de Gusttavo Lima na casa de apostas VaideBet, destacada no decreto de prisão, acrescenta uma nova camada de complexidade. No Brasil, onde as apostas online se tornaram uma febre e, muitas vezes, uma armadilha para quem busca melhorar de vida de maneira rápida, a relação de um ídolo popular com esse tipo de empreendimento levanta perguntas éticas. A natureza questionável dessas interações financeiras, como apontado pela juíza Andrea Calado da Cruz, só aumenta a preocupação com a linha tênue que separa o entretenimento da exploração.

 

Enquanto figuras públicas continuam sendo contratadas por valores exorbitantes, quem perde é o cidadão comum. A festa passa, mas a falta de médicos, professores e infraestrutura adequada continua. A crise na saúde pública, agravada pela pandemia, mostrou a todos nós a urgência de investimento sério nesse setor. E, no entanto, continuamos a assistir a esse descompasso entre o que é necessário e o que é oferecido.

 

O Brasil precisa, mais do que nunca, de uma gestão pública que coloque as prioridades em seu devido lugar. Não podemos mais aceitar que a festa seja bancada com o dinheiro que deveria salvar vidas. Gusttavo Lima e outros artistas não são os vilões desta história, mas é inegável que, ao se apresentarem em cidades tão carentes, acabam por se tornar símbolos de uma inversão de valores.

 

O povo precisa de saúde, educação e infraestrutura, não de um espetáculo passageiro. Enquanto prefeitos continuam apostando no “circo” como forma de calar a insatisfação popular, o Brasil afunda cada vez mais na sua própria miséria.