Outro dia, deparei-me com um vídeo que me fez sorrir e pensar: Ariano Suassuna, em toda sua sabedoria e senso crítico aguçado, contava uma de suas histórias com aquele humor afiado que só ele tinha. Era impossível não ser capturado pela simplicidade com que ele descrevia as situações mais comuns, sempre transformando-as em reflexões mais profundas sobre a cultura e o nosso tempo.
Dessa vez, Suassuna narrava o que parecia ser um episódio trivial. Ele havia ligado a televisão, sem grandes pretensões, e deu de cara com uma apresentação da Banda Calypso. O que veio a seguir, nas palavras dele, foi uma espécie de “sorte ao contrário”. A música começava com uma frase que já lhe causava certo desconforto: “Se você quiser me conquistar, você tem que suar…” Era uma dessas letras que se repetem ad nauseam, e Ariano, com seu ouvido atento e crítico, logo se viu preso naquela sequência que mais parecia um loop. Mas o incômodo não parou por aí. A canção continuava a evoluir (ou regredir, diria ele), apresentando outras variações da mesma lógica simplista: “Se você quiser me conquistar, você tem que balançar… Se você quiser me conquistar, você tem que rebolar… Uou uou uou uou.”
Suassuna, que havia feito de sua vida uma batalha pela valorização da cultura brasileira em sua forma mais genuína, olhava para aquilo com uma mistura de perplexidade e ironia. “E é isso?”, pensei, imaginando o que se passava pela mente do mestre. Será que era assim que a música popular estava sendo definida agora? Era necessário “suar”, “balançar” e “rebolar” para conquistar alguém? E aquele “uou uou uou uou”? Uma interjeição vazia que parecia ser o clímax do esforço criativo?
Foi quando seu neto, Juninho, entrou em cena, e o diálogo que se seguiu foi tão revelador quanto cômico. “Vovô, deixa disso. Não adianta perder tempo falando mal da Banda Calypso”, disse o jovem, com a leveza e sabedoria de quem entende que os tempos mudaram. Suassuna, claro, não se deixaria vencer tão fácil. “Como assim, Juninho? Tem coisa pior do que isso?”, questionou, com um ar de desafio. A resposta do neto veio rápida e direta: “Tem, vovô. E muita coisa! Você nem imagina o que estão ouvindo por aí hoje em dia.”
Aquela troca, por mais engraçada que fosse, trazia à tona algo maior. Ariano, sempre com um olhar crítico e profundo sobre a cultura brasileira, sabia que o mundo estava em constante transformação, mas isso não significava que ele fosse aceitar tudo sem questionar. “Eu sei lá, Juninho… Isso não pega, não? Parece que estão distribuindo música de quarta categoria por aí.” O comentário, cheio de humor, escondia a preocupação sincera de alguém que via, nas produções populares, uma ameaça ao que ele acreditava ser a verdadeira essência da cultura nacional.
O neto, como muitos jovens de sua geração, parecia menos incomodado. Talvez porque já estivesse imerso naquele novo cenário, onde o que antes era considerado banal agora era apenas mais um elemento da vasta e eclética paisagem musical. Juninho não via tanto problema. Para ele, a Banda Calypso era apenas uma parte do todo. O verdadeiro “mal”, talvez, estivesse mais adiante, em produções que nem Suassuna ousava imaginar.
Enquanto Suassuna refletia sobre as “besteiras” que agora faziam as novas gerações dançar, era impossível não pensar no quanto isso já havia acontecido antes. Toda geração tem suas músicas, suas modas, suas ondas que fazem com que a geração anterior torça o nariz. Nos tempos de Ariano, certamente havia quem visse com desdém as canções que marcaram sua juventude. E assim, o ciclo continua.
A sabedoria de Suassuna não estava apenas em criticar, mas em observar com um misto de humor e perplexidade o quanto os tempos mudavam. Talvez ele nunca entendesse o apelo de “suar, balançar e rebolar”, mas sabia que, em algum lugar, aquilo refletia o espírito de uma época. E, no fim das contas, talvez ele até se divertisse um pouco com a ideia de que, em uma sala de estar em algum lugar do Brasil, um avô e seu neto estariam discutindo, décadas depois, sobre as “besteiras” que fariam aquela geração dançar.
Assim, Ariano Suassuna, sempre mestre em transformar o cotidiano em arte, deixou mais uma lição: a cultura é viva, imprevisível e, às vezes, engraçadamente confusa.
Padre Carlos