Política e Resenha

A Lei do Retorno na Política: Um Ciclo Inevitável?

 

 

 

 

Nos bastidores da política, onde já vi e vivi de tudo ao longo de quase cinco décadas, um princípio parece se repetir com regularidade implacável: a Lei do Retorno. Políticos, quando no poder, muitas vezes cometem os mesmos erros que mais tarde se tornam seus pesadelos. Criticam os adversários por atitudes que eles mesmos tomaram, reclamam de traições que outrora arquitetaram, e sofrem as consequências da arrogância política de outrora. É como um ciclo vicioso, onde as lições que deveriam ter sido aprendidas com o tempo parecem sumir no esquecimento, afogadas pela sede de poder.

Ao longo dos anos, seja durante a ditadura militar, em que atuei na Tendência Popular, ou na redemocratização, vi esse fenômeno se repetir com insistência. Políticos que, no auge de seu poder, ignoraram suas bases, desprezaram os companheiros históricos e se cercaram apenas de aliados imediatos, subestimaram a força do retorno. Em um ambiente onde o poder parece ser a única métrica de sucesso, o esquecimento das origens e da lealdade tem um preço. E ele, invariavelmente, chega.

Muitas vezes, quando alcançam uma posição de prestígio, esses líderes se veem acima das alianças que os levaram até ali. Pensam que seus nomes sozinhos são suficientes para manter a fidelidade da base, ignorando as batalhas diárias enfrentadas pelos militantes ao longo dos anos. Tornam-se autossuficientes, acreditando que a história de lutas conjuntas pode ser varrida para debaixo do tapete. A arrogância os faz esquecer que aqueles que estão na base não são meros seguidores automáticos, mas sim indivíduos com histórias, reivindicações e, acima de tudo, memória.

Acontece que essa autossuficiência tem um custo. Quando chega o momento de buscar o apoio da militância, de contar com aqueles que sustentaram o discurso político por tanto tempo, a resposta pode não ser a esperada. A base, muitas vezes, já foi desgastada por anos de promessas não cumpridas e falta de reconhecimento. As mesmas pessoas que, no passado, ergueram bandeiras em nome de causas coletivas, agora olham para os candidatos com desconfiança, lembrando-se de como foram deixadas à margem quando o poder foi consolidado.

O retorno não é imediato, mas é certo. Políticos que acreditam ser invulneráveis acabam experimentando o amargo sabor do abandono, não porque a base se esqueceu deles, mas porque foram os primeiros a esquecer a base. Eles se veem isolados, reclamando da falta de apoio, mas sem reconhecer que essa falta de suporte é resultado direto de suas próprias ações.

O poder, muitas vezes, distorce a percepção de quem o detém. Ao acreditar que suas conquistas são resultado apenas de sua própria habilidade, muitos líderes esquecem que a política é um campo de alianças, de pactos implícitos e explícitos, construídos ao longo de anos. E quando esses pactos são rompidos, seja pela arrogância ou pelo desprezo, o retorno vem de forma implacável. Não devia ser assim, mas este é o retrato: os políticos se queixam do que eles mesmos semearam.

Essa dinâmica é ainda mais visível em tempos eleitorais. Quando o jogo de poder se acirra e os nomes começam a circular, aqueles que foram ignorados ou traídos por seus antigos líderes aparecem como uma força silenciosa, mas poderosa. A base, cansada de ser usada como escada para a ascensão de poucos, mostra seu descontentamento. E é aí que a Lei do Retorno se manifesta com maior intensidade.

Os bastidores da política, ao longo dos anos, me ensinaram que o poder é transitório, mas a memória política é duradoura. Os companheiros históricos, os militantes que lutaram por causas comuns, aqueles que sofreram o peso da repressão ou a amargura da derrota, têm uma resiliência que muitos políticos parecem subestimar. Quando se ignora essa força, o retorno é inevitável. E ele não vem apenas como uma simples retaliação, mas como um reflexo das escolhas que foram feitas no calor do poder.

O maior erro que um político pode cometer é acreditar que a política se resume a seu círculo imediato. Ao esquecer as bases que o sustentam, ao deixar de lado os companheiros que o ajudaram a subir, ele se condena a repetir os erros daqueles que vieram antes dele. Afinal, a Lei do Retorno não perdoa. Ela apenas espera o momento certo para se manifestar.

E é esse o ciclo que vemos se desenrolar, eleição após eleição. Aqueles que um dia foram elevados pelo apoio popular, pela militância fiel, muitas vezes caem pela mesma base que desprezaram. Não porque essas pessoas sejam vingativas, mas porque elas têm a memória e o discernimento para reconhecer quando foram usadas e esquecidas.

Na política, assim como na vida, o retorno é certo. E aqueles que ignoram esse fato, por mais poderosos que possam parecer, acabam, inevitavelmente, sentindo seu impacto. Porque no fim, a verdadeira força política não está nas alianças temporárias ou nos discursos grandiosos, mas na capacidade de honrar suas raízes e respeitar aqueles que sempre estiveram ao seu lado.

Padre Carlos