Política e Resenha

O “Jeitinho” na Política: Como se Resolve uma Derrota Eleitoral no Brasil

 

 

 

 

Conheci um Padre alemão que morou no Brasil por quinze anos. Ele falava um português afiado, e gostava de viver aqui, mas sempre se intrigava com um aspecto peculiar do nosso comportamento: o famoso “jeitinho brasileiro”. Eu explicava que esse “jeitinho” é uma ferramenta única, uma habilidade que desenvolvemos para contornar problemas e desafios. É uma marca do nosso povo, um reflexo da nossa miscigenação e da luta histórica para sobreviver às desigualdades impostas por um sistema que, na maioria das vezes, só cobra deveres, mas raramente concede direitos.

E essa prática se manifesta de muitas formas, especialmente na política. Quando uma eleição não vai ao nosso favor, o “jeitinho” logo entra em cena. Por aqui, perder nas urnas não significa aceitar o resultado com dignidade e traçar novos planos para o futuro. Não, aqui existe sempre um caminho alternativo, um drible para tentar reverter a situação desfavorável.

Veja o exemplo de cidades como Rui Barbosa e Vitória da Conquista. Os eleitos são frequentemente vítimas de uma série de manobras, acusações e contestações. Não se trata de uma oposição justa e embasada, mas sim de uma tentativa de deslegitimar os resultados das urnas, de minar a autoridade de quem venceu o pleito democraticamente. E, para isso, o “jeitinho” se manifesta de forma brilhante. Se as urnas não são suficientes, cria-se um outro caminho, utilizando todo o arsenal disponível, desde recursos judiciais até a pressão midiática e política.

Aqui, somos especialistas em “cortar caminho”. Assim como Garrincha, o anjo das pernas tortas, driblava os adversários com maestria no futebol, na política brasileira também buscamos formas de contornar os obstáculos. O “jeitinho” se transforma numa arma poderosa quando estamos diante de uma derrota eleitoral. É como se houvesse uma incapacidade crônica de aceitar a realidade. Por isso, criamos artimanhas para “driblar” a derrota, nem que seja para humilhar o adversário, ao invés de respeitar a decisão popular.

Quando o “jeitinho” falha, entra em cena o outro mecanismo brasileiro: o famoso “sabe com quem está falando?”. É nesse momento que a corda da hierarquia social e política se tenciona, e figuras que perderam no voto tentam impor sua autoridade por meio de alianças e jogos de poder. Isso reflete uma profunda desigualdade que permeia nossa cultura. O “sabe com quem está falando?” é o lado B do “jeitinho”, é a tentativa de restabelecer uma separação social onde o perdedor nunca perde de fato, porque, em última instância, sempre há um recurso para tentar manter seu poder.

Nas eleições, quando se perde, o “jeitinho” se transforma numa ferramenta poderosa para questionar o vencedor, desacreditá-lo, e, se possível, forçar uma nova rodada de disputas, seja por meio da justiça, de acusações ou de campanhas de desinformação. E assim, vamos seguindo o jogo, fingindo que somos democráticos e modernos, mas, na realidade, ainda presos a uma estrutura política que adora o “jeitinho” e teme o verdadeiro exercício da democracia.

Mas há algo que precisa ser dito: esse “jeitinho”, que foi forjado na luta de sobrevivência daqueles que sempre estiveram à margem, agora é usado como uma forma de impedir o avanço do próprio sistema democrático. Quando não se aceita o resultado das urnas e se busca, a todo custo, anular o sucesso do adversário, o que se faz é perpetuar a desigualdade e a injustiça, disfarçadas de formalidade.

Enquanto isso, os eleitos, como em Vitória da Conquista e Rui Barbosa, seguem sendo vítimas dessa arte de “cortar caminhos”, enfrentando obstáculos que muitas vezes são criados por aqueles que não sabem perder. Mas esse comportamento não é exclusivo de certas cidades, ele é parte de uma engrenagem maior, que se recusa a aceitar que a derrota faz parte do jogo democrático.

O “jeitinho brasileiro”, que outrora serviu para driblar injustiças, agora serve para criar novas formas de manipulação e controle. No final das contas, continuamos sendo um bando de “macunaímas”, sempre buscando um caminho para manter as coisas como estão, com um tapinha nas costas e um sorriso cordial, enquanto o verdadeiro espírito democrático fica de lado.

 

Padre Carlos