O tempo é um companheiro sutil e, muitas vezes, imperceptível. Ele nos acompanha dia após dia, desenhando rugas em nossa pele, enfraquecendo nossos corpos, e, sem que percebamos, transporta-nos de uma fase da vida para outra. Mas há algo curioso que o tempo não consegue tocar: nossa essência, nossa alma. Esta permanece intacta, como um porto seguro em meio às marés da vida.
Refletindo sobre minha própria experiência, percebo que, aos 65 anos, meu corpo mudou, minhas forças já não são as mesmas, mas, internamente, sou o mesmo menino que corria pelas ruas de infância, filho de Dona Fidelcina e do Sr. Edézio. Ainda sou o “Bel” de outrora, o garoto cheio de sonhos e entusiasmo pela vida que corria entre as bananeiras de seu pai no coração da Pituba da década de 60. A voz que fala dentro de mim nunca envelheceu, nunca se rendeu ao peso dos anos. É impressionante como, mesmo vivendo a maior parte de minha existência, eu nunca me senti verdadeiramente velho.
Esse fenômeno não é exclusivo a mim. Cada pessoa mais idosa carrega dentro de si uma história vibrante, uma alma que, por mais que o corpo demonstre os sinais da idade, continua cheia de vida, de sonhos e de lembranças. O tempo pode nos dar experiências e sabedoria, mas ele jamais toca no que há de mais profundo em nós: o espírito. E o espírito é eternamente jovem.
Penso que muitos de nós, quando chegamos à maturidade, sentimos esse saudosismo. As lembranças do que fomos, dos momentos vividos, tornam-se mais presentes e constantes. Não como uma nostalgia dolorosa, mas como uma celebração interna daquilo que sempre fomos. E nessa celebração, algo poderoso é revelado: a essência de quem somos nunca se cansa, nunca muda.
Esse entendimento trouxe-me uma nova perspectiva sobre a vida e, sobretudo, sobre o envelhecimento. Quando vejo uma pessoa idosa, seja em um encontro casual ou em uma visita a familiares, sempre me lembro que, por trás daquele corpo já moldado pelos anos, há uma criança viva, um ser cheio de memórias, sonhos e histórias que merece amor, atenção e respeito. E é assim que devemos enxergar uns aos outros, independentemente da idade.
Muitas vezes, na correria da vida, esquecemos que o idoso não é apenas alguém que viveu muitos anos, mas alguém que, em seu íntimo, carrega o vigor e a vitalidade de quem ainda sonha e espera por novas experiências. Eles são como nós: o “Bel” de ontem é o mesmo de hoje, com uma alma que jamais envelhece. Há, em cada ser humano, uma história imortal.
Por isso, quando nos deparamos com os sinais do tempo, em nós mesmos ou nos outros, precisamos ter em mente que envelhecer é apenas uma transformação exterior. O espírito, aquele núcleo essencial que nos define, permanece tão jovem quanto nos lembramos. E como crianças, mesmo quando as forças se esvaem e as rugas marcam o rosto, precisamos ser amados, acolhidos e valorizados.
Assim, reflito sobre o poder do tempo. Ele é, sem dúvida, um mestre rigoroso, que nos ensina a aceitar nossas limitações e a saborear as vitórias do passado. Mas também é um convite constante à lembrança de quem somos de verdade. Dentro de cada idoso, há um jovem, uma criança, um espírito que nunca se rendeu às limitações do corpo. E essa verdade é algo que devemos honrar, em nós mesmos e nos outros.
A vida é uma jornada de aprendizado e aceitação. E o maior aprendizado que o tempo me trouxe é este: a idade não define a nossa essência. O corpo pode envelhecer, mas o espírito é eterno, e em cada pessoa idosa existe uma alma jovem que ainda espera ser vista, compreendida e respeitada. Que jamais nos esqueçamos disso.
A cada encontro com o passado, sou lembrado de que, independentemente do que o tempo traga, dentro de mim ainda vive o “Bel” – o menino que nunca envelheceu.
Amém.