Política e Resenha

ARTIGO – Lula e a Nova Rota da Seda: Astúcia e Ginga na Rota da China (Padre Carlos)

 

 

 

 

O Brasil, ao longo de sua história, sempre soube aproveitar as tensões globais em benefício próprio, movendo-se com a habilidade de um jogador de futebol brasileiro, cheio de ginga e estratégia. O presidente Lula parece estar resgatando essa tradição, agindo com uma astúcia que lembra o pragmatismo de Getúlio Vargas durante a Segunda Guerra Mundial. Em tempos conturbados, Vargas explorou com maestria a rivalidade entre os Estados Unidos e a Alemanha, extraindo um empréstimo de vinte milhões de dólares dos americanos para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Naquele contexto, Vargas soube manobrar com habilidade para conseguir o que o Brasil precisava: desenvolvimento industrial e uma independência estratégica em áreas cruciais.

Hoje, Lula está frente a um cenário semelhante, onde a China desponta com a “Nova Rota da Seda” — uma iniciativa ambiciosa de integração econômica e geopolítica. Xi Jinping tem avançado em sua política de investimento em infraestrutura e tecnologia em mais de cento e cinquenta países, conectando Ásia, África, Europa e América Latina. Para o Brasil, essa é uma oportunidade histórica de fortalecer o comércio, mas principalmente de avançar em transferência de tecnologia, algo que vai muito além de exportações de commodities e gera uma relação de independência estratégica. Lula e seu assessor Celso Amorim estão agindo com cautela ao não formalizar uma adesão completa ao projeto, preferindo negociar “sinergias” com o gigante asiático, evitando compromissos rígidos que poderiam limitar nossa autonomia.

Como Vargas, Lula sabe que uma aliança estratégica não significa submissão. Getúlio, em um período de ditadura e em plena guerra, manteve-se inicialmente neutro e ainda continuou negociando com ambos os lados do conflito. Ele entendeu que a guerra entre as potências era uma oportunidade para o Brasil, e que, se bem conduzido, o país poderia emergir com uma base industrial sólida e uma posição respeitável no cenário internacional. Com a Nova Rota da Seda, Lula vê a possibilidade de fazer o mesmo: explorar a rivalidade global, mantendo-se fiel aos interesses nacionais, mas sem fechar portas. Essa postura firme e estrategicamente ambígua é a chave para tirar o máximo proveito da relação com a China.

Na era de Vargas, o que estava em jogo era a siderurgia, essencial para o desenvolvimento nacional e para o fortalecimento do Brasil como um player no cenário internacional. Hoje, é a tecnologia de ponta que interessa. Precisamos de muito mais do que pontes e estradas, precisamos de know-how em energias renováveis, veículos elétricos, inteligência artificial e infraestrutura digital. A proposta do Brasil de cooperação nas áreas de infraestrutura, energia solar e veículos híbridos é um passo nessa direção, e deixa claro que não queremos ser apenas compradores, mas parceiros de desenvolvimento.

É fundamental que o governo brasileiro continue agindo com essa sagacidade, evitando compromissos formais que possam aprisionar o país em uma aliança rígida e que possam comprometer nossa soberania. Lula e sua equipe têm a oportunidade de criar uma relação estratégica com a China que leve em consideração o potencial de desenvolvimento tecnológico e que ajude o Brasil a reduzir suas dependências e fortalecer suas indústrias. Como Getúlio, que no meio da tensão global soube se aproveitar das oportunidades, Lula precisa garantir que cada passo seja pensado com o desenvolvimento do Brasil em mente, usando a Rota da Seda não como um fim, mas como um meio para alcançar nossa própria rota para o futuro.