Política e Resenha

ARTIGO – “O Candidato Sou Eu”: Bolsonaro e a Disputa com o Estado de Direito (Padre Carlos)

 

 

 

 

A recente declaração do ex-presidente Jair Bolsonaro, afirmando “O candidato sou eu” em entrevista à revista Veja, ecoa não apenas como uma projeção para 2026, mas como uma afirmação carregada de tensão com o sistema democrático e judicial brasileiro. Ao se colocar como o candidato da direita, Bolsonaro não apenas antecipa uma candidatura, mas ignora os processos que pesam sobre ele e sua atual inelegibilidade, sancionada pelas próprias instituições que ele agora parece desconsiderar. Essa postura suscita questões fundamentais: o ex-presidente realmente não acredita na legitimidade das instituições que o tornaram inelegível? Ou estaria ele flertando com uma ruptura ao desafiar abertamente o Estado de Direito?

Bolsonaro enfrenta, hoje, uma série de processos e decisões judiciais que, em um cenário de respeito às instituições, tornariam sua afirmação de candidatura impossível. Sua inelegibilidade, declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é um fato jurídico que Bolsonaro insiste em subestimar publicamente. A insistência em se proclamar candidato soa, portanto, como um recado de descrédito a essas instituições – e, consequentemente, ao sistema que lhe impôs tais restrições. Ao se declarar “o” candidato, o ex-presidente lança uma sombra de dúvida sobre o respeito que nutre pelo processo democrático, visto que desafia diretamente decisões que ele próprio, enquanto chefe de Estado, ajudou a constituir.

Essa atitude sugere uma postura perigosa: a possibilidade de que Bolsonaro esteja disposto a subverter ou contornar o sistema, explorando brechas que possam lhe garantir um retorno político. Ao questionar implicitamente o TSE e as instituições que o julgaram, Bolsonaro se coloca não apenas como candidato, mas como um líder que desafia as regras e limites impostos pela democracia. Isso levanta uma questão inquietante: a autoproclamada candidatura é uma tentativa de blindagem contra os processos que se acumulam contra ele?

Ao insistir em seu protagonismo, Bolsonaro parece testar os limites da legalidade e a disposição das instituições em manter sua inelegibilidade. Seu movimento, se não um flerte aberto com a ruptura, demonstra, no mínimo, uma indiferença calculada ao peso das leis e decisões que sustentam a democracia brasileira. A candidatura que ele anuncia em tom desafiador corre o risco de alimentar um clima de tensão e polarização exacerbada, onde o respeito às instituições se fragiliza e onde a sociedade fica refém de um projeto político que, ao invés de unir, pode dividir ainda mais o país.

Nesse cenário, cabe perguntar se Bolsonaro de fato se comprometeria a respeitar as instituições que tanto critica. Ou se, em nome de uma possível candidatura, ele estaria disposto a alimentar um discurso de descrédito que coloca a democracia brasileira em cheque. Sua fala, que para muitos de seus seguidores pode soar como uma reafirmação de força e determinação, representa também um sinal de alerta. Afinal, no sistema democrático, ninguém está acima da lei, e a confiança nas instituições é o que mantém o Estado de Direito de pé.

A declaração “O candidato sou eu” é, portanto, mais do que uma mera pretensão eleitoral. É um desafio lançado ao próprio coração da democracia brasileira. Para além das palavras, a sociedade e as instituições precisam se perguntar: estaremos prontos para enfrentar um projeto político que, ao invés de se adequar às regras democráticas, parece inclinado a colocá-las em xeque?