(Padre Carlos)
Hoje, fui despertado para uma reflexão profunda após receber uma notícia impactante: Donald Trump foi eleito novamente presidente dos Estados Unidos, superando Kamala Harris. Essa possibilidade hipotética, que meu amigo em Boston compartilhou comigo, me fez parar e refletir sobre os tempos sombrios em que vivemos. A notícia ecoa uma mudança de forças e prioridades que ameaça os pilares fundamentais da democracia. E quando esses pilares são enfraquecidos, resta pouco além das relações e lutas tribais, onde o que define as relações sociais e políticas são as disputas raciais, étnicas e de pertencimento. O que restará de nossa civilização se recuarmos para o que há de mais primitivo na história humana?
O século 20 foi construído sobre a ideia de luta de classes, um conceito que mobilizou trabalhadores, governos e movimentos sociais pelo mundo. Nessa visão, a força da sociedade estava no coletivo, em uma estrutura que visava eliminar as desigualdades econômicas e trazer maior justiça social. Porém, no século 21, assistimos a um esfacelamento desse ideal: as divisões não são mais apenas de classe, mas de raça, de origem, de pertencimento. Com o enfraquecimento dos valores democráticos, o conflito racial emerge como o ponto central das disputas por poder e espaço social. Essa tendência de tribalização se revela tanto nos Estados Unidos, com a questão dos latinos e negros, quanto aqui no Brasil, onde nordestinos, negros e indígenas continuam lutando para serem reconhecidos e respeitados.
A democracia moderna, com suas promessas de liberdade e justiça, é como uma estrutura com quatro pilares: igualdade, liberdade, participação e dignidade. Quando qualquer um desses pilares é enfraquecido, o edifício democrático começa a ruir, e o que sobra é o espaço aberto para conflitos primitivos. Quando a igualdade é ignorada, as diferenças étnicas e raciais se tornam o foco dos antagonismos; quando a liberdade é cerceada, surgem grupos dominantes e excluídos; quando a participação é negada, gera-se uma população invisível, que luta apenas para sobreviver.
O cenário americano de hoje é um reflexo direto desse retorno à tribalização. A eleição de Trump simboliza um conservadorismo radical, que para muitos é um retrocesso nos valores de inclusão e igualdade. É como se uma parte da sociedade estivesse disposta a ignorar os direitos dos negros, latinos e demais minorias em favor de uma política que visa fortalecer apenas uma parte limitada da população. Esse movimento nos mostra que, sem democracia sólida, as tensões raciais e tribais ocupam o espaço deixado pelo diálogo e pela conciliação.
Aqui no Brasil, o cenário é igualmente preocupante. Embora o ideal democrático prometa uma nação unida, o que vemos, na prática, são linhas de exclusão que se aprofundam. Nordestinos, negros e indígenas, que compõem a essência do Brasil, ainda são marginalizados e tratados como estrangeiros dentro de seu próprio país. A luta que se instaura, então, não é mais uma luta de classes, mas sim uma batalha pela sobrevivência, onde se disputa o direito de existir e de prosperar em uma sociedade que promete muito, mas entrega pouco a quem carrega a identidade de nosso povo.
Esse retrocesso que ameaça a democracia, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, é um chamado para a ação. Precisamos reforçar os pilares que sustentam a convivência civilizada e que impedem que a barbárie se instale. Caso contrário, restarão apenas as relações primitivas, onde cada grupo étnico e racial defende seu espaço com todas as suas forças, em uma luta constante pelo direito de existir.
A mensagem que recebi hoje nos Estados Unidos é um alerta: o que está em jogo não é apenas o resultado de uma eleição, mas o próprio futuro da civilização democrática. Sem uma democracia forte, sem um compromisso renovado com a igualdade e com a justiça, estaremos condenados a repetir os erros primitivos que a história já nos mostrou. É hora de agir, de reforçar os valores que sustentam a sociedade, para que não retrocedamos a um tempo em que a luta por poder e sobrevivência era apenas uma questão de tribo contra tribo, raça contra raça.