O canto do Urutau ecoa pelas margens dos rios, entre o povo ribeirinho, com um peso sombrio: é som associado à má sorte, um prenúncio do que está por vir, daquilo que muitos preferem não ouvir. Na política baiana, o canto do “Urutau” se reflete na atuação da imprensa chapa-branca, aquela mídia que atua em consonância com o governo, reproduzindo a narrativa oficial sem oferecer contraponto ou análise crítica. Tal comportamento tem se intensificado nas entrelinhas e declarações sobre o cenário eleitoral, mas as últimas eleições trouxeram sinais de alerta para o PT e seus aliados.
O caso do prefeito Zé Cocá, reeleito em Jequié com votação expressiva, é emblemático dessa relação entre o “canto do Urutau” e a narrativa chapa-branca. Cocá, figura destacada no Progressistas (PP), foi apontado pela imprensa como possível aliado de Jerônimo Rodrigues (PT), com direito a manchetes sugerindo uma suposta “adesão” ao governo do estado. No entanto, tal insinuação levanta dúvidas: seria mais um canto de má sorte para os adversários, ou apenas um sinal de insegurança política do governo?
Outro ponto reforçado pela imprensa alinhada ao governo foi a vitória petista na Bahia, apresentada com triunfalismo exagerado, como se a Região Metropolitana de Salvador tivesse se rendido de forma unânime aos candidatos apoiados por Jerônimo. Mesmo diante de um avanço do cinturão conservador de ACM Neto, que abrange Camaçari, Candeias e outras cidades estratégicas, a narrativa chapa-branca silencia sobre os desafios que o PT enfrenta nessas áreas. Assim, a tentativa de manter uma imagem de sucesso absoluto revela algo profundo: o temor do PT e seus aliados de perderem o domínio político na Bahia.
Dois fatores inquietantes mobilizam esse receio. Em primeiro lugar, o eleitorado baiano, assim como o brasileiro, manifestou um viés conservador e de direita, votando majoritariamente em partidos de centro-direita. Esse fato, inédito em proporção, leva o PT a lidar com um cenário de fragilidade entre seus próprios aliados, que percebem o risco de associar-se demais a uma visão ideológica desgastada. Além disso, as eleições mostraram que o voto para governador está mais associado a uma opinião consciente e menos ao apadrinhamento histórico dos “coronéis” políticos.
O segundo ponto, ainda mais significativo, é a queda do capital político de Lula. Embora ainda seja uma figura importante, Lula não possui a mesma capacidade de mobilização de outrora. Na eleição de Jerônimo, sua influência foi determinante, mas o contexto mudou. Em um cenário no qual o carisma do presidente já não garante o mesmo volume de votos, os candidatos petistas enfrentam o desafio de revalidar seu espaço. A imprensa chapa-branca, em sua tentativa de suavizar esses sinais de declínio, reflete o receio de que o canto do Urutau se torne realidade para o PT e seus aliados.
O Brasil e a Bahia mudaram, e a força da opinião pública não é mais a mesma, tão dependente da narrativa oficial. O eleitor se distancia das histórias tradicionais e busca um novo caminho. No entanto, enquanto houver espaço para o canto do Urutau, haverá resistência e contestação a quem insiste em usar a narrativa da sorte e do azar para tentar manter seu domínio.