Hoje, ao ouvir minha filha me chamar de velho, senti uma daquelas pontadas que só palavras ditas por quem amamos conseguem provocar. Não era ofensa, tampouco desrespeito, mas a declaração despretensiosa da juventude – espontânea e certeira. Aparentemente inofensiva, aquela palavra desencadeou em mim um turbilhão de reflexões. Recordei-me, então, do poema de José Saramago, que há tempos guardo com carinho na memória: “Quantos anos eu tenho? O que importa isso? Tenho a idade que escolho e que sinto!”
Nessa sociedade que insiste em medir cada momento com rótulos de juventude ou velhice, esse poema de Saramago nos coloca em uma posição de resistência, uma posição de liberdade sobre o tempo. Ele ecoa a ideia de que a idade verdadeira não reside no calendário, mas na forma com que enfrentamos o mundo, no vigor das nossas convicções, na ousadia de defender o que acreditamos. A idade, afinal, é muito mais do que os números nos documentos, é a intensidade com que vivemos e a profundidade das marcas que acumulamos.
É natural que as gerações mais novas encarem a nossa idade como algo distante, até ultrapassado, enquanto nós, que já percorremos uma longa estrada, vemos a vida com a serenidade de quem entende que o essencial nem sempre pode ser apressado. Para os jovens, a vida é promessa e impulso. Para nós, a vida é uma mescla de promessas cumpridas e algumas que ficaram pelo caminho – mas todas, de uma maneira ou de outra, nos ensinaram a viver com mais leveza e sensatez.
O “velho”, que para muitos jovens é sinônimo de um estado de inatividade, para nós, é uma espécie de liberdade alcançada. Não precisamos mais provar nada, nem a nós mesmos nem a ninguém. Temos, como Saramago diz, “a idade em que as coisas são vistas com serenidade, mas com o desejo incessante de continuar crescendo.” Porque se a juventude acredita na mudança pela ação, a maturidade acredita no poder da persistência, da sabedoria acumulada.
Essa liberdade, conquistada aos poucos, nos permite viver a vida sem a pressa dos que temem o tempo. Não há mais o peso do “preciso chegar lá”, mas sim a paz de “estou no caminho”. E se nossa idade nos dá o direito de recusar rótulos, também nos permite aceitar com serenidade cada curva da jornada. Afinal, como o poema de Saramago tão bem expressa, o que importa não é o número que carregamos, mas o que ainda arde dentro de nós – a chama de quem segue amando, aprendendo, e talvez, até errando.
Diante do comentário da minha filha, não me sinto ofendido, mas curioso. Talvez seja o momento de refletir com ela, e com todos os que nos veem “velhos”, sobre o que realmente significa amadurecer. Que a velhice, mais do que um limite, é a nossa permissão para fazer as pazes com os erros, celebrar as conquistas, e carregar conosco somente aquilo que realmente importa. Assim como o poeta, escolho ter a idade da coragem de ser verdadeiro, da paz interior e da convicção de que o essencial sempre ultrapassa o tempo.