A justiça, por sua natureza, é falível e imprevisível. A busca pela verdade, portanto, muitas vezes se torna uma jornada complexa, repleta de nuances e dúvidas. Em tempos de informação instantânea e proliferação de fake news, a tendência a “ver para crer” se intensifica, transformando-se quase em uma síndrome moderna – uma espécie de síndrome de Tomé exacerbada pela tecnologia. Mas por que essa necessidade visceral de comprovação sensorial? O que a experiência direta oferece que a simples apresentação de fatos não consegue?
Desde Descartes, a filosofia reconhece a importância dos sentidos na construção de nossa realidade. Eles nos conectam ao mundo externo, proporcionando um “senso de realidade” inegável. A imagem, o som, o tato – esses elementos contribuem para uma experiência mais palpável, mais convincente. Em um mundo inundado de informações, muitas vezes contraditórias, essa busca por provas concretas se torna uma forma de autopreservação intelectual.
A tecnologia, paradoxalmente, amplifica esse fenômeno. Apesar de facilitar o acesso à informação, ela também gera um mar de desinformação, exigindo um filtro crítico cada vez mais rigoroso. A primazia da imagem e do áudio, em detrimento da palavra escrita, cria uma hierarquia de credibilidade distorcida. A prova documental, por si só, muitas vezes não basta. A necessidade de um arquivo de áudio, de um vídeo, de uma gravação – a prova “sensorial” – se impõe como o padrão de verdade inquestionável. Mesmo com um conjunto robusto de evidências, a ausência desses elementos multimídia pode gerar descrença e ceticismo.
O indiciamento de Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por suspeita de golpe de Estado, e a subsequente decisão do ministro Alexandre de Moraes de retirar o sigilo do relatório da Polícia Federal, ilustra perfeitamente essa dinâmica. A apresentação do relatório, com todas as suas evidências, não silencia as vozes céticas. A ausência de um vídeo ou áudio “comprobatório” alimenta a descrença, perpetuando a síndrome de Tomé na era digital.
A pergunta que fica é: como navegar nesse mar de informações em que a prova sensorial se sobrepõe à prova documental? A resposta não é simples, mas passa pela construção de um pensamento crítico mais refinado, que consiga discernir a qualidade das fontes e a força das evidências, sem se deixar cegar pela necessidade de uma experiência sensorial imediata. A busca pela verdade exige mais do que a simples comprovação sensorial; exige análise, contextualização e um olhar crítico sobre as informações disponíveis. A síndrome de Tomé, em sua versão moderna, precisa ser confrontada com a força da razão e o rigor da investigação. A justiça, mesmo em suas imperfeições, precisa ser buscada e compreendida para além da experiência imediata dos sentidos.