No dia 16 de dezembro de 1976, o Brasil testemunhou mais um capítulo sombrio da repressão estatal contra aqueles que ousaram lutar por um país mais justo. A Chacina da Lapa, como ficou conhecida a operação militar que atacou o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), expôs a brutalidade da ditadura militar, deixando marcas profundas na história da resistência popular. Quarenta e oito anos depois, os fantasmas dessa violência ainda clamam por justiça, e a memória dos companheiros executados pelo Estado segue viva, como um lembrete de que o sangue derramado pela liberdade não pode ser apagado pelo silêncio.
Pedro Pomar: O Intelectual da Resistência
Pedro Pomar, um dos líderes assassinados na incursão, era mais do que um militante. Ele era um pensador estratégico, jornalista e historiador comprometido com a causa comunista e a transformação social. Pomar participou ativamente da reorganização do PCdoB, mesmo sob condições de clandestinidade, e acreditava no potencial do povo brasileiro para construir um futuro melhor. Sua execução durante a operação não foi apenas uma tentativa de calar sua voz, mas de aniquilar uma visão de mundo que desafiava a ordem autoritária.
Ângelo Arroyo: O Combatente da Guerrilha
Outro mártir da chacina, Ângelo Arroyo, era um veterano da luta armada. Ele foi um dos poucos a sobreviver à Guerrilha do Araguaia, um movimento revolucionário reprimido com extrema violência pelo Exército. Arroyo dedicou sua vida à causa popular, e sua sobrevivência ao Araguaia o tornara um símbolo de resistência e resiliência. Sua morte na Chacina da Lapa não foi apenas uma perda para o movimento comunista, mas para todos que acreditavam na justiça social como motor de mudança.
João Batista Drummond: A Morte Sob Tortura
João Batista Franco Drummond foi preso na véspera da operação e levado ao DOI-CODI, onde foi brutalmente torturado até a morte. Sua trajetória como operário e militante comunista exemplificava o engajamento das classes populares na luta contra a opressão. Drummond não teve a chance de defender-se ou sequer de lutar; foi silenciado pela máquina repressiva do Estado. Sua morte é um símbolo do que a ditadura fez a milhares de brasileiros, cujas histórias permanecem desconhecidas ou deliberadamente apagadas.
Os Sobreviventes e o Peso da Tortura
A chacina não se limitou às execuções; a violência psicológica e física também marcou profundamente aqueles que sobreviveram. Elza Monnerat, Haroldo Lima, Aldo Arantes, Joaquim Celso de Lima e Maria Trindade foram presos e torturados. Mesmo diante do sofrimento inimaginável, esses companheiros mantiveram a dignidade e a coragem, transformando suas histórias de dor em símbolos de resistência.
A Traição e o Contexto da Chacina
A operação foi possível graças à traição de Manoel Jover Telles, que, após ser preso, negociou informações em troca de benefícios pessoais. Essa ruptura de confiança expôs a fragilidade das redes clandestinas e evidenciou o quanto o regime era hábil em explorar as fraquezas humanas. A traição, no entanto, não diminui a grandeza dos que tombaram ou resistiram. Pelo contrário, reforça o heroísmo daqueles que não se renderam, mesmo quando tudo parecia perdido.
A Ausência de Retratação e o Silêncio do Estado
Quase cinco décadas depois, o Estado brasileiro ainda deve uma retratação formal aos familiares e companheiros desses líderes. A Comissão Nacional da Verdade trouxe à tona parte dessa história, mas a reparação plena continua distante. Não basta reconhecer os crimes; é necessário celebrar a memória daqueles que lutaram pela democracia e pela justiça. Pedro Pomar, Ângelo Arroyo, João Batista Drummond e tantos outros não podem ser reduzidos a notas de rodapé na história do Brasil. Eles merecem estar no centro da narrativa, como exemplos de coragem em tempos de escuridão.
Por que Lembrar Importa
Lembrar dos mártires da Chacina da Lapa é um ato de resistência contra o esquecimento e a negação. É um compromisso com a verdade, com a justiça e com a construção de uma sociedade que não permita que tais atrocidades se repitam. Enquanto o Estado não enfrentar plenamente seu passado, o peso da ditadura continuará a pairar sobre nosso presente.
A história não termina com a repressão; ela vive na memória e na luta de todos que se recusam a aceitar o silêncio como resposta. A lembrança de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo, João Batista Drummond e de todos os que sofreram sob o regime militar é um lembrete poderoso de que a liberdade tem um preço, mas também uma recompensa: a esperança de um futuro onde a democracia prevaleça sobre a tirania.