A saúde pública na Bahia vive um colapso que vai além da superlotação nos hospitais ou da falta de insumos médicos. A crise atinge o âmago do sistema: os trabalhadores. No Hospital Regional Costa do Cacau, em Ilhéus, e no Hospital Geral de Vitória da Conquista (HGVC), os profissionais da saúde enfrentam atrasos salariais, falta de benefícios e condições de trabalho que beiram o insustentáveis.
Os relatos são alarmantes. Técnicos de enfermagem, enfermeiros e auxiliares, aqueles que estão na linha de frente do atendimento, sofrem com o descaso. No HGVC, a Fundação José Silveira, responsável pela terceirização, acumula denúncias de férias não remuneradas, ausência de FGTS e repetidos atrasos salariais. Na Costa do Cacau, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento da Administração Hospitalar (IBDAH) segue a mesma cartilha de negligência, com trabalhadores ameaçando greve devido à falta de pagamento.
Esses problemas revelam uma precarização estrutural da saúde pública, intensificada pelo modelo de terceirização. A promessa de eficiência e redução de custos deu lugar a um cenário de abandono e descaso. Durante a pandemia, o trabalho desses profissionais foi enaltecido, mas, com o fim da crise sanitária, a valorização ficou apenas no discurso.
Terceirização: uma solução que virou problema
A terceirização deveria ser uma ferramenta de modernização. No entanto, na Bahia, ela tem funcionado como um instrumento de desmonte do serviço público. Empresas com histórico de má gestão continuam vencendo licitações, enquanto o Estado assiste inerte às demonstrações de direitos trabalhistas. A ausência de fiscalização efetiva e a permissividade com práticas abusivas criam um ciclo de crises que afetam não só os trabalhadores, mas também a população.
Como oferecer um atendimento humanizado quando os profissionais que sustentam o sistema sofrem com atrasos, dívidas e estresse? A terceirização sem controle não apenas precariza o trabalho, mas também compromete a qualidade do serviço, com reflexos diretos no cuidado ao paciente.
O papel do Estado: omissão ou negligência?
A responsabilidade pela crise vai além das empresas gestoras. O Estado não pode terceirizar também o seu dever de garantir os direitos dos trabalhadores. O poder público deve fiscalizar rigorosamente os contratos, penalizar as organizações reincidentes e priorizar empresas comprometidas com boas práticas.
A crise na Costa do Cacau e no HGVC é um alerta para todos na Bahia. Não se trata apenas de atraso salarial ou ausência de vale-transporte. Trata-se de respeito à dignidade humana, aos direitos básicos e ao compromisso de cuidar daqueles que nos cuidam.
A saúde como prioridade política
A solução passa pela reformulação do modelo de terceirização, com maior controle social e transparência nas contratações. É preciso também valorizar os profissionais da saúde, com condições justas, condições adequadas e políticas públicas que garantam estabilidade.
A precarização da saúde pública não é resultado. É resultado de escolhas políticas. Cabe ao governo assumir a responsabilidade por essas escolhas, garantindo que a saúde seja tratada como prioridade real, não apenas como retórica de campanha.
Afinal, uma sociedade que abandona seus cuidadores adolescentes não apenas fisicamente, mas moralmente. Que as greves e protestos sejam um grito de alerta e não o prenúncio de um sistema que se tornou incapacitado de cuidar de si mesmo.
(Padre Carlos)