É com profunda indignação e o coração pesado que assistimos, mais uma vez, ao espetáculo macabro da violência policial em São Paulo. O caso do cidadão arremessado de uma ponte por um policial militar não é apenas mais um episódio isolado – é a expressão mais crua de um sistema que há muito perdeu sua bússola moral.
Quantas vidas precisarão ser destroçadas até que medidas efetivas sejam tomadas? Por quanto tempo mais teremos que suportar a naturalização da barbárie em nossas forças de segurança? A recente “conversão” do governador Tarcísio de Freitas à causa das câmeras corporais, embora bem-vinda, soa como uma admissão tardia de um erro que já custou vidas demais.
É revoltante constatar que precisamos comemorar como “avanço” algo tão básico quanto a transparência no serviço público. As câmeras corporais não são um luxo ou uma opção – são uma necessidade fundamental em qualquer sociedade que se pretenda democrática. Sua resistência inicial a essa medida expõe as raízes profundas de um problema que vai muito além da tecnologia.
Nossa polícia, herdeira de um modelo colonial e autoritário, continua operando sob a lógica do confronto e da intimidação. É uma estrutura que desumaniza não apenas suas vítimas, mas também seus próprios agentes, aprisionados em uma cultura institucional que confunde violência com eficiência.
Mas não podemos – e não devemos – nos resignar. Nossa indignação precisa ser o combustível para uma transformação profunda e urgente. Precisamos exigir:
- A implementação imediata e universal das câmeras corporais, sem exceções ou subterfúgios;
- Uma reforma completa no treinamento policial, priorizando direitos humanos e técnicas de desescalada;
- A criação de mecanismos independentes e efetivos de controle externo;
- O fim da impunidade para casos de violência policial.
A sociedade civil não pode mais aceitar o discurso vazio de que “bandido bom é bandido morto” ou que “direitos humanos são para humanos direitos”. Essas falsas dicotomias apenas servem para perpetuar um sistema que não protege ninguém – nem a população, nem os próprios policiais.
É possível, sim, ter uma polícia eficiente e respeitosa. É possível conciliar segurança pública com direitos humanos. Países que fizeram essa transição demonstram que uma polícia mais cidadã não é apenas mais humana – é também mais eficaz no combate ao crime.
O momento exige mais que indignação – exige ação. De nós, cidadãos, cobra-se a vigilância constante e a pressão incansável por mudanças. Das autoridades, exige-se coragem para romper com um modelo fracassado e compromisso real com a transformação.
A barbárie policial em São Paulo não é apenas um problema de segurança pública – é uma ferida aberta em nossa democracia. Cada vida perdida, cada direito violado, cada abuso naturalizado nos afasta um pouco mais do país que queremos construir.
É hora de transformar nossa indignação em força transformadora. Não podemos mais aceitar que a violência seja a linguagem oficial de nossas forças de segurança. O futuro que queremos – e merecemos – depende da nossa capacidade de converter essa justa revolta em mudança concreta e duradoura.
A hora é agora. O Brasil que sonhamos não pode nascer da violência institucionalizada. Que nossa indignação seja o primeiro passo de uma longa, mas necessária, jornada de transformação.