Política e Resenha

A Ferida Aberta de Jequié: Entre a Violência Institucional e a Esperança de Mudança

 

 

 

 

É com o coração pesado e a alma inquieta que me dirijo à sociedade brasileira para expor uma realidade que sangra diariamente nas ruas de Jequié. A cidade, que já foi conhecida como a “Cidade do Sol”, hoje não carrega mais este astro : o título que ganhou foi de capital nacional da letalidade policial. Como chegamos a este ponto? Como permitimos que está cidade se transformasse em um campo de batalha onde vidas são ceifadas com uma frequência aterradora?

Os números não mentem, mas também não contam toda a história. Em 2022, Jequié liderou o ranking das cidades mais violentas do Brasil. Em 2023, quando pensávamos ter tocado o fundo do poço, descobrimos que havia ainda mais fundo: alcançamos o maior índice de mortes causadas por intervenção policial do país. São estatísticas que escondem rostos, histórias e sonhos interrompidos.

O último final de semana é um retrato cruel desta realidade: oito pessoas assassinadas em menos de 48 horas. Entre elas, Maria Clara Silva, 16 anos, e Abraão Almeida, 19 anos, executados com uma brutalidade que desafia nossa compreensão. Seus corpos, arrastados e expostos, um deles queimado, são o testemunho mais eloquente do nível de desumanização que atingimos.

Mas não podemos nos permitir ser paralisados pelo horror. É preciso compreender que esta violência tem raízes profundas: é o resultado de décadas de negligência estatal, de políticas públicas equivocadas e de uma visão distorcida de segurança pública que confunde eficiência com truculência.

Em Jequié, como em tantas outras cidades do interior brasileiro, o Estado se faz presente principalmente através de seu braço armado. Enquanto isso, faltam investimentos básicos em educação, cultura e geração de emprego. Nossa juventude cresce em um ambiente onde as oportunidades são escassas e a violência se apresenta como uma linguagem cotidiana.

O Residencial Mandacaru II, cenário do recente duplo homicídio, é um exemplo perfeito desta realidade. Construído para ser um sonho de moradia digna através do programa Minha Casa, Minha Vida, transformou-se em um território onde a morte ronda as esquinas. Não por acaso, mas por abandono sistemático do poder público.

É revoltante constatar que, enquanto discutimos estatísticas, famílias continuam perdendo seus filhos, mães choram seus mortos e uma geração inteira cresce acreditando que a violência é o único idioma possível. Mas nossa indignação não pode ser apenas um grito no vazio – precisa se transformar em ação concreta.

Precisamos exigir:

  1. Uma reformulação completa da política de segurança pública, com foco em inteligência e prevenção;
  2. Investimento maciço em programas sociais, especialmente voltados para a juventude;
  3. Criação de um conselho independente de controle da atividade policial;
  4. Implementação urgente de programas de geração de emprego e renda;
  5. Fortalecimento das instituições de ensino e centros culturais.

A tragédia de Jequié não é uma fatalidade – é o resultado de escolhas políticas que podem e devem ser modificadas. Cada vida perdida é uma acusação contra nossa inércia coletiva, cada morte violenta é um testemunho de nossa falência como sociedade.

Mas ainda há esperança. Ela reside na capacidade de indignação que ainda preservamos, na força das organizações comunitárias que resistem, na coragem dos que ainda lutam por justiça. Jequié pode ser mais que um número em estatísticas macabras – pode ser o exemplo de como uma cidade, unida e determinada, foi capaz de reverter seu destino.

O momento exige mais que palavras – exige ação. De cada cidadão, de cada autoridade, de cada instituição. Não podemos mais aceitar que nossa cidade continue sendo um laboratório de práticas letais. O sangue derramado em nossas ruas cobra uma resposta, e essa resposta precisa vir na forma de mudanças estruturais profundas.

O futuro de Jequié está em nossas mãos. Que nossa indignação se transforme em força motriz para a mudança, que nossa dor se converta em determinação para agir. É hora de resgatar nossa cidade das garras da violência e devolvê-la aos seus cidadãos. O caminho é longo, mas cada passo dado em direção à paz e à justiça social é um passo que nos afasta do abismo em que nos encontramos.

A escolha é nossa: continuaremos sendo espectadores de nossa própria tragédia ou nos levantaremos, unidos, para reescrever nossa história? A resposta a esta pergunta definirá não apenas o futuro de Jequié, mas o tipo de sociedade que queremos deixar para as próximas gerações.