Há algo de mágico e ao mesmo tempo aterrorizante em transformar palavras em espelhos. Quando escrevemos, não projetamos apenas ideias, mas fragmentos de quem somos. Um artigo, em sua essência, é uma espécie de portal: ao adentrá-lo, o leitor não busca respostas prontas, mas encontra-se diante de perguntas que ecoam em suas próprias entranhas. E é aí que reside o paradoxo da escrita autêntica: quanto mais revelamos de nós, mais convidamos o outro a se revelar.
A vulnerabilidade, tema tão caro à pesquisadora Brené Brown, não é fraqueza, mas um ato revolucionário em um mundo que nos ensina a esconder cicatrizes e a exibir apenas conquistas. Ao escrever, confesso que me sinto como um equilibrista entre o desejo de ser compreendido e o medo de ser desnudado. Quantas vezes suavizamos verdades, domesticamos emoções ou silenciamos dúvidas para não parecermos frágeis? A ironia é que, ao fazer isso, traímos não só nossa voz, mas a possibilidade de criar conexões genuínas. Afinal, quem se reconhece na perfeição?
Sócrates já nos alertava: uma vida não examinada é uma vida desperdiçada. Mas como examinar a si mesmo em uma era que glorifica a distração? Vivemos em um teatro permanente, onde as redes sociais são palcos e nossos perfis, personagens. As máscaras sociais, tão bem costuradas, nos protegem do julgamento, mas também nos aprisionam em papéis vazios. Escrever com autenticidade é, portanto, um ato de rebeldia. É recusar-se a seguir o roteiro e, em vez disso, rasgar o figurino para mostrar a pele marcada pelas experiências.
Jean-Paul Sartre nos lembra que somos “condenados à liberdade”. Essa sentença filosófica carrega um peso existencial: se não há destino pré-determinado, somos responsáveis por cada escolha, cada palavra, cada máscara que vestimos. A liberdade de ser autêntico exige coragem para encarar não apenas nossas falhas, mas a solidão que pode vir com a rejeição. Quantos sentimentos deixamos de expressar por medo de não sermos aceitos? Quantas verdades calamos para não perturbar a harmonia superficial dos grupos?
Fernando Pessoa, em sua genialidade melancólica, disse que “o coração, se pudesse pensar, pararia”. A frase é um alerta contra a tirania da razão, que muitas vezes nos faz negar o que sentimos em nome da lógica ou do pragmatismo. Não se trata de romantizar a irracionalidade, mas de reconhecer que o autoconhecimento não é um exercício cerebral — é uma jornada visceral. Quando deixamos o coração falar, descobrimos que as emoções mais turbulentas carregam insights sobre quem somos e o que realmente importa.
Como articulista, meu propósito nunca foi ditar regras, mas abrir janelas. Se minhas palavras inquietam, é porque busco escrever como quem sussurra em um quarto escuro, onde não há lugar para poses. Essa intimidade proposital não é um acaso, mas uma estratégia para convidar o leitor a fazer o mesmo: fechar os olhos, ignorar o ruído exterior e ouvir o eco de sua própria existência. Afinal, quantas vezes fugimos de nós mesmos por temer o que vamos encontrar?
Deixo aqui um desafio, tal qual um Sócrates moderno: Você está disposto a viver com o coração? Não falo de sentimentalismo barato, mas da coragem de encarar a vida sem as lentes distorcidas do medo e do orgulho. Nietzsche, em sua filosofia incendiária, bradou: “Torne-se quem você é”. A frase soa simples, mas esconde uma demanda hercúlea. Tornar-se quem se é implica desconstruir séculos de condicionamentos, enfrentar as sombras que habitam nosso íntimo e abraçar a imperfeição como parte da beleza humana.
O que os olhos não veem — e talvez nunca vejam — é justamente o que move a vida: os sentimentos não confessados, as dúvidas não verbalizadas, os sonhos engavetados. A escrita, quando verdadeira, torna visível o invisível. E talvez seja essa sua maior função: lembrar-nos de que, por trás de todas as máscaras, há um coração batendo, ansioso por ser ouvido.
No fim, o articulista não é um sábio, mas um companheiro de viagem. Suas palavras são faróis na escuridão, não para iluminar caminhos, mas para revelar que todos nós carregamos uma luz própria. Basta termos a coragem de acendê-la.