Há dias em que o espelho parece uma contradição ambulante. Completo sessenta e cinco anos e, diante do reflexo, vejo marcas que o tempo inscreveu com tinta indelével: rugas que contam histórias, cabelos que se pintaram de prata, mãos que carregam o mapa de décadas de trabalho. Mas, por trás desse rosto que o calendário insiste em chamar de “idoso”, há um menino que ri, que ainda acredita em aventuras, que se surpreende com o voo de um pássaro e que teima em não entender por que o mundo insiste em rotular a vida em fases estanques.
Alegria de Chegar: O Presente do Tempo
Sessenta e cinco anos são uma vitória. Uma celebração de resistência. Quantas tempestades foram atravessadas? Quantas alegrias foram semeadas? Há uma doçura em olhar para trás e perceber que, apesar das quedas, continuamos de pé. É a idade em que muitos se aposentam, mas aposentadoria, aqui, não é sinônimo de despedida. É um novo começo: tempo livre para reencontrar paixões adormecidas, para viajar sem destino, para ler os livros empilhados na estante, para abraçar os netos e lhes sussurrar segredos que só a experiência conhece.
A Consciência da Passagem: Quando o Relógio Virou Areia
Mas há um outro lado nessa moeda. De repente, percebemos que a vida passou rápido demais. Aquele primeiro dia de escola, o cheiro do uniforme novo, a primeira paixão adolescente, o susto de virar adulto, as noites em claro cuidando de filhos pequenos — tudo parece ter acontecido há uma semana. O tempo, esse ilusionista, nos faz crer que temos controle sobre ele, até que um dia olhamos para as mãos e vemos que ele escorreu como areia fina. A pergunta que ecoa é: “O que fiz com os meus dias?” Não se trata de arrependimento, mas de um estranho luto pelas horas que não soubemos saborear devagar.
O Menino que Habita o meu Ser: A Eterna Juventude da Alma
Eis, porém, o segredo que os anos nos revelam: envelhecer não é trair a própria essência. O menino que fui — cheio de perguntas, com medo do escuro, fascinado por formigas trabalhando, dono de uma imaginação que transformava cabanas de lençol em castelos — ainda está aqui. Ele se esconde nas gargalhadas à toa, na curiosidade por um céu estrelado, na vontade de correr na chuva (mesmo que os joelhos reclamen). Envelhecer, quando feito com graça, é permitir que esse menino e o ancião coexistam. Um oferece leveza; o outro, sabedoria.
A Síntese dos Contrários: Viver com os Olhos do Amanhã e o Coração de Ontem
Aos sessenta e cinco, aprendemos que a vida não é linear, mas uma espiral. Volta-se aos mesmos lugares, mas com novos olhos. O passado não some; ele se transforma em raízes. E o futuro, ainda que mais curto, ganha intensidade. Há uma urgência serena em viver: não mais correndo atrás do vento, mas dançando com ele.
Conclusão: A Festa dos Opostos
Se pudesse dar um conselho ao meu eu mais jovem, diria: “Não temas os anos. Eles trarão dores, sim, mas também trarão a incrível habilidade de rir de si mesmo, de amar sem exigências, de encontrar felicidade em um café quente ou no silêncio de uma manhã ensolarada”. Sessenta e cinco anos são a prova de que é possível envelhecer sem endurecer, celebrar sem negar a melancolia, e carregar dentro de si — sempre — aquele menino que acredita que a vida, mesmo breve, cabe toda em um só dia.
Porque, no fim, a verdadeira idade não está nos ossos, mas no brilho do olhar. E o meu, hoje, ainda brilha como o de um garoto que acabou de descobrir que o mundo é infinito.