A democracia pressupõe que os representantes eleitos priorizem o interesse público acima de disputas partidárias. No entanto, em Vitória da Conquista, município baiano com mais de 350 mil habitantes, vive-se um paradoxo político: o governo da prefeita Sheila Lemos, eleita com amplo apoio popular e maior representatividade local, é sistematicamente ignorada pelos deputados estaduais e federais mais votados no município na destinação de emendas parlamentares. Enquanto recursos públicos são direcionados a entidades privadas ou a projetos desconectados da gestão municipal, a população questiona: por que a principal instituição eleita para gerir a cidade não é prioridade para seus próprios representantes no Legislativo?
A Prefeitura Forte e o Abandono das Emendas
Vitória da Conquista é um município estratégico no interior da Bahia, com uma prefeitura que, independentemente do partido no poder, historicamente centraliza demandas essenciais: saúde, educação, mobilidade urbana e assistência social. No entanto, deputados que receberam votação expressiva na região, optam por não destinar emendas ao governo municipal. A justificativa velada é a divergência partidária — a prefeitura não é administrada por aliados políticos.
O resultado é um cenário contraditório: enquanto os parlamentares anunciam “democracia participativa” para distribuir parte de suas emendas via editais e assembleias populares, a instituição mais capacitada para executar políticas públicas de impacto — a prefeitura — segue sem acesso a esses recursos. A pergunta que não cala é: por que não incluir a gestão municipal nesse processo participativo, em vez de excluí-la?
A Retórica da Participação vs. a Exclusão do Poder Público
Os deputados alegam que seu novo modelo, a partir de 2025, trará transparência ao “devolver o orçamento ao povo”. De fato, assembleias regionais e editais para entidades da sociedade civil são avanços dignos de reconhecimento. Mas há uma desconexão gritante nesse discurso: se o objetivo é fortalecer a democracia, por que marginalizar a prefeitura, justamente a instituição que possui estrutura técnica, accountability e legitimidade para aplicar recursos em larga escala?
Ao direcionar verbas apenas para entidades privadas ou projetos pontuais, os parlamentares correm o risco de fragmentar políticas públicas essenciais. Enquanto isso, a prefeitura — responsável por hospitais, escolas e obras de infraestrutura — precisa lidar com orçamentos cada vez mais enxutos, pressionada a resolver problemas sem o devido apoio financeiro de quem deveria ser seu parceiro natural: os representantes eleitos pelo próprio povo conquistense.
O Jogo Político por Trás das Emendas
No Brasil não é novidade que emendas parlamentares são usadas como moeda de barganha. No caso de Vitória da Conquista, porém, a estratégia parece mais perversa: ao negar recursos à prefeitura, os deputados enfraquecem a gestão municipal, criando um cenário artificial de “ineficiência” do poder público. Essa narrativa, por sua vez, serve para justificar o envio de verbas para iniciativas privadas.
Democracia de Verdade Exige Inclusão, Não Retaliação
Se o objetivo dos deputados é, de fato, promover participação popular, não faz sentido excluir a prefeitura — principal voz institucional da população — do processo. Uma verdadeira democracia participativa deveria integrar a gestão municipal às assembleias regionais, permitindo que projetos públicos e privados fossem debatidos em conjunto. Isso garantiria sinergia, evitando duplicidade de esforços e otimizando recursos.
Além disso, a falta de prioridade à prefeitura contradiz o próprio princípio do federalismo cooperativo, que prevê colaboração entre esferas de governo. Enquanto deputados estaduais e federais tratam a gestão municipal como adversária, e não como parceira, os maiores prejudicados são os cidadãos que dependem de políticas públicas integradas.
Conclusão: O Preço da Partidarização da Gestão Pública
Vitória da Conquista é um exemplo claro de como a politica transforma recursos públicos em armas de guerra. Ao negar emendas à prefeitura, os deputados não apenas desrespeitam a vontade das urnas — já que a população escolheu seus gestores municipais —, mas também pode prejudicar o desenvolvimento da cidade.
Enquanto isso, projetos de capacitação de gestores sociais e assembleias participativas, ainda que louváveis, soam como medidas paliativas se desconectadas do poder público. A verdadeira inovação política não está em substituir o Estado, mas em fortalecê-lo com transparência e controle social.
Se os parlamentares desejam, de fato, fazer história, precisam entender que democracia não se faz contra as instituições, mas com elas. Vitória da Conquista merece mais que discursos: merece deputados que coloquem o município acima das siglas partidárias. Afinal, governar é incluir — não excluir quem foi eleito para servir.
Padre Carlos