Seus modelos, tão eficientes quanto os concorrentes, mas mais baratos, levantam questionamentos
Quase 590 bilhões de dólares (cerca de 564 bilhões de euros) em valor de mercado foram perdidos em um único dia… Esse foi o recorde histórico registrado pela Nvidia na segunda-feira, 27 de janeiro, quando suas ações despencaram 16,86% em Wall Street. O colapso do líder global em processadores especializados em inteligência artificial (IA) foi impulsionado pelo impacto do DeepSeek, uma startup chinesa que lançou um modelo com desempenho comparável ao dos gigantes OpenAI e Google, mas com um custo de desenvolvimento drasticamente inferior.
O choque no setor de tecnologia foi enorme. O índice Nasdaq caiu 3,07%. O investidor japonês SoftBank, que havia experimentado uma alta após o presidente americano Donald Trump anunciar em 21 de janeiro sua participação no gigantesco projeto de data centers Stargate (com previsão de 500 bilhões de dólares em investimentos), sofreu uma queda de 6%.
Esses valores astronômicos refletem a bolha em torno das empresas de IA, mas também expõem a incerteza e até pânico dos mercados. “O DeepSeek-R1 é o ‘momento Sputnik’ da IA”, declarou no domingo, na plataforma X, o investidor do Vale do Silício Marc Andreessen, comparando a tecnologia ao lançamento do primeiro satélite soviético em 1957. “Parece a chegada dos carros japoneses nos anos 1960”, respondeu um usuário da rede.
A revolução do DeepSeek: IA de alto nível com baixo custo
O que torna o DeepSeek tão preocupante para os gigantes do setor? Ele conseguiu atingir o mesmo nível de performance das empresas americanas, mas utilizando menos recursos. Segundo seus criadores, o treinamento do modelo V3 custou apenas 5,5 milhões de dólares, exigindo dois meses de processamento em 2.000 chips Nvidia H800. Em comparação, a OpenAI revelou que o GPT-4, lançado em março de 2023, custou mais de 100 milhões de dólares para ser treinado e requer cerca de 5 bilhões de dólares por ano em processamento, segundo o portal The Information. Já a Anthropic, outro concorrente, estimou que seus modelos exigem mais de 1 bilhão de dólares apenas em custos de treinamento.
Além do V3, o DeepSeek desenvolveu o modelo R1, especializado em raciocínio avançado, que verifica suas respostas várias vezes antes de fornecer uma conclusão – um conceito semelhante ao o1 da OpenAI. Apesar de seu baixo custo, o desempenho do R1 se aproxima dos modelos de ponta. Além disso, os preços da DeepSeek são extremamente baixos: o R1 custa 27 vezes menos por consulta do que o modelo da OpenAI. Sua aplicação gratuita já superou o ChatGPT no ranking de downloads.
O fim das “leis de escala” da IA?
A revolução do DeepSeek levanta dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo econômico das gigantes da IA. “A OpenAI pode se tornar o WeWork da inteligência artificial“, escreveu no X o professor americano Gary Marcus, comparando a empresa à startup de escritórios compartilhados que captou bilhões antes de entrar em colapso em novembro de 2023.
O conceito das “leis de escala”, que defendia que o progresso da IA dependia de aumentar exponencialmente o tamanho e o poder computacional dos modelos, agora está sendo questionado. O analista Christopher Dembik, da Pictet Asset Management, observa que a DeepSeek “coloca em dúvida o real avanço tecnológico das empresas americanas”. Para Jun Rong Yeap, da IG Asia, a DeepSeek pode ameaçar a capacidade dos líderes do setor de manterem controle sobre os preços.
Se essa tendência se confirmar, o setor de IA pode reavaliar sua abordagem de investimento, que se baseia em chips de última geração e enormes quantidades de poder de processamento e energia. O analista William Beavington, da Jefferies, prevê que o crescimento dos data centers – estimado em 200 bilhões de dólares em 2025 para Amazon, Microsoft e Google – pode desacelerar. “A DeepSeek pode forçar a indústria de IA a se concentrar mais no retorno sobre o investimento.”
Um exagero ou uma revolução inevitável?
A questão agora é se o impacto do DeepSeek é apenas um alarme exagerado ou se realmente sinaliza uma mudança de paradigma na inteligência artificial. A startup afirma que conseguiu reduzir os custos ao utilizar técnicas inovadoras que limitam o número de cálculos, priorizando aprendizado por reforço (em que o modelo busca soluções por conta própria e recebe recompensas quando acerta) em vez do tradicional aprendizado supervisionado.
Outro fator crucial: antes das sanções americanas proibindo a venda de chips de ponta à China, o DeepSeek teve acesso aos processadores de última geração da Nvidia, o que pode ter ajudado no desenvolvimento do modelo. Elon Musk, dono da X e conselheiro de Donald Trump, saiu em defesa da DeepSeek, sugerindo que os números da empresa chinesa talvez não sejam tão impressionantes quanto parecem.
Há também o argumento de que as técnicas do DeepSeek podem ser copiadas rapidamente por concorrentes. No entanto, a redução drástica de custos pode acabar facilitando ainda mais a adoção de IA, ampliando o mercado – um fenômeno conhecido como “efeito rebote”, segundo Garry Tan, do incubador de startups Y Combinator.
A resposta da OpenAI e da Nvidia
Diante da ameaça, a Nvidia fez questão de lembrar que a inferência – ou seja, o processamento necessário para executar os modelos de IA em tempo real – continua exigindo um enorme número de chips. Além disso, modelos baseados em raciocínio, como o R1, exigem ainda mais poder computacional, pois precisam rodar múltiplas verificações antes de gerar uma resposta.
O fundador da OpenAI, Sam Altman, afirmou no X que considera a concorrência “estimulante” e que sua empresa está trabalhando em modelos “ainda melhores”. No entanto, a abordagem aberta da DeepSeek pode representar um desafio significativo para as gigantes do setor. Diferente da OpenAI, a startup chinesa oferece seus modelos gratuitamente para desenvolvedores, adotando uma estratégia semelhante à da Meta, que também liberou alguns de seus modelos para uso público.
Conclusão: um divisor de águas para a IA?
A chegada do DeepSeek marca um momento decisivo para o mercado de inteligência artificial. Se sua abordagem mais eficiente e acessível se provar sustentável, poderá levar a uma reconfiguração total da indústria, forçando as gigantes americanas a repensarem seus custos e estratégias.
Por enquanto, o mercado financeiro ainda digere as consequências desse impacto. Mas uma coisa é certa: o jogo da inteligência artificial acaba de ganhar um novo e poderoso competidor.