A notícia de que a OpenAI acusa a empresa chinesa DeepSeek de usar dados protegidos para treinar seus modelos de IA gerou burburinho no setor tecnológico. Mas, diante das polêmicas que cercam a própria gigante americana, a pergunta que fica é: quem está realmente em posição de apontar o dedo?
O Grande Tabuleiro da Coleta de Dados
Não é segredo que a indústria de IA cresceu às custas de dados coletados em escala planetária. Livros, artigos científicos, posts em redes sociais, fóruns e até conversas públicas foram usados como combustível para treinar chatbots. A OpenAI, pioneira nesse universo, jamais escondeu que sistemas como o ChatGPT foram alimentados por um vasto ecossistema de informações disponíveis na internet — muitas delas sem autorização explícita de autores ou criadores.
A empresa enfrenta, inclusive, processos judiciais emblemáticos. O caso do The New York Times, que acusa a OpenAI de usar reportagens protegidas por direitos autorais, e as ações de autores como George R.R. Martin e John Grisham são exemplos claros de que a ética na coleta de dados sempre foi um terreno pantanoso para a empresa. Se a lei ainda não alcançou definitivamente essas práticas, a contradição moral já está exposta.
Ladrão que Rouba Ladrão: Uma Lição de Ironia
O ditado popular brasileiro — “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão” — parece ecoar nesse embate. A OpenAI, que construiu seu império com base em dados alheios, hoje se coloca como defensora da propriedade intelectual. A ironia é tão densa que beira o cômico. Afinal, como exigir transparência de concorrentes se sua própria trajetória é marcada por apropriações questionáveis?
Não se trata de absolver a DeepSeek ou qualquer outra empresa acusada de replicar práticas duvidosas. O ponto central é a incoerência de quem, após escalar montanhas de dados alheios, decide cobrar “pureza ética” dos demais. É como um pirata que, após saquear navios por anos, passa a exigir licenças marítimas dos novos corsários.
A Hipocrisia Sistêmica e o Futuro da IA
Esse episódio revela um problema maior: a ausência de padrões claros e universais para o uso de dados na IA. Enquanto as empresas ocidentais criticam rivais chinesas (e vice-versa), ambas operam em um vácuo regulatório que beneficia quem age primeiro e pergunta depois. A corrida pela supremacia da inteligência artificial transformou dados em ouro digital — e, nesse garimpo, ética frequentemente perde para a ambição.
A solução? Em vez de guerras de acusações, o setor precisa de transparência radical e regulação global. Se a OpenAI quer ser levada a sério como guardiã da integridade, deve começar abrindo seu próprio livro de regras: quais dados usou, como obteve permissões e que compensações ofereceu aos criadores originais. Até lá, sua moral continuará sob suspeita.
Conclusão: O Perdão não Apaga a História
O provérbio brasileiro citado não é um salvo-conduto para novos roubos, mas um lembrete de que ninguém é santo nessa história. A OpenAI pode até ter “cem anos de perdão” por seus métodos passados, mas isso não lhe concede autoridade para ditar as regras do jogo. Se desejam um setor ético, as gigantes da IA precisam primeiro limpar seu próprio quintal — e só depois cobrar ações alheias.
Enquanto isso, a disputa entre OpenAI e DeepSeek parece menos uma batalha por justiça e mais um espetáculo de hipocrisia. Afinal, em terra de ladrão, quem faz a lei é o que chegou primeiro.
Padre Carlos