Política e Resenha

ARTIGO – A Festa de Iemanjá e a minhas memórias (Padre Carlos)

 

 

 

A festa de Iemanjá no Rio Vermelho é muito mais do que uma celebração religiosa ou um evento turístico. Ela carrega consigo a ancestralidade de um povo que pôde preservar seus valores em meio às adversidades. No Recôncavo Baiano, essa festa ganha uma dimensão ainda mais profunda, pois ali a mística africana nunca se entrelaça com a resistência cultural dos terreiros, com a musicalidade do samba de roda e com a força de um povo que deixou de lutar por sua identidade.

No Rio Vermelho, a festa ainda mantém algo das festas tradicionais de largo, com barracas, comidas típicas e uma ar de celebrações populares. Mas há também aquele clima de balneário, onde o mar se torna o grande protagonista. As ofertas que deslizam pelas águas levam pedidos, promessas e agradecimentos à Rainha do Mar, numa demonstração de fé que atravessa gerações.

Para mim, a festa de Iemanjá sempre teve um significado de que é além do sagrado e do profano. Era um ponto de encontro, um espaço de reencontros com velhos amigos da militância política, um ambiente onde ideais e utopias se misturavam ao perfume das flores e ao cheiro forte das velas acesas em devoção. O caldo de sururu no apartamento de Paulo Pontes era quase um ritual, o ponto de convergência de uma galera que discutia o mundo, sonhava com revoluções e vivia intensamente cada instante.

Estar ali, entre o som dos atabaques, as saudações a Iemanjá e os olhares carregados de histórias, era como viagens no tempo. Sentia-se a força de um povo que resiste, que mantém viva sua tradição e que encontra no mar um espelho de suas lutas e esperanças. A festa de Iemanjá é, acima de tudo, um ato de permanência. É um lembrete de que, apesar de tudo, ainda sabemos cultivar a beleza, a espiritualidade e os laços que nos fazem comunidade.