A política internacional é frequentemente palco de ironias históricas que revelam como estratégias aparentemente sólidas podem produzir resultados opostos aos pretendidos. Um exemplo emblemático deste fenômeno é a guerra comercial iniciada nos últimos dias por Donald Trump, cujas consequências vai reverberar na economia global, especialmente no setor agrícola.
A abordagem protecionista de Trump, caracterizada por tarifas agressivas contra parceiros comerciais estratégicos como China, Canadá e México, tem como objetivo declarado fortalecer a indústria americana. No entanto, o tiro parece que está saindo pela culatra em um dos setores que mais apoiou sua candidatura: a agricultura americana.
O mecanismo que tem gerado este resultado contraditório é relativamente simples. Quando os EUA impuserem tarifas à China, esta responderá com retaliações específicas, mirando produtos agrícolas americanos, particularmente a soja, principal commodity de exportação do setor. A China, como grande consumidora global de soja, não poderia simplesmente abdicar do produto; precisava apenas encontrar um fornecedor alternativo. E encontrou: o Brasil.
Este redirecionamento do mercado chinês para a soja brasileira representará um duplo revés para os agricultores americanos. Não apenas perderão participação em um mercado crucial, como também vão ver seus custos de produção aumentarem devido a tarifas sobre insumos canadenses essenciais para a fabricação de fertilizantes. O resultado? Uma competitividade ainda maior dos produtos agrícolas brasileiros no cenário global.
A ironia desta situação não poderia ser mais aguda. O setor agrícola americano, que votou massivamente em Trump (aproximadamente 77% em condados rurais), vai se tornar uma das primeiras vítimas de suas políticas comerciais. Este é um exemplo clássico de como políticas protecionistas, embora sedutoras em sua promessa de proteção às indústrias nacionais, frequentemente desencadeiam consequências imprevistas que prejudicam os próprios setores que buscam proteger.
O Brasil, por sua vez, está entrando neste jogo geopolítico com vantagens significativas. O país mantém uma relação comercial altamente favorável aos EUA, com um déficit comercial acumulado de US$200 bilhões na última década. Além disso, as tarifas brasileiras sobre produtos americanos são notavelmente baixas (média de 2,7%), com muitos setores enfrentando tarifa zero. Estes fatos enfraquecem qualquer argumentação americana sobre desequilíbrios comerciais que justifiquem medidas protecionistas contra o Brasil.
A pergunta que permanece é: qual o verdadeiro objetivo de Trump ao potencialmente mirar o Brasil em sua nova administração? Seriam preocupações pontuais, como a competição no setor de etanol, ou existe uma estratégia mais ampla de afastar o Brasil de sua crescente parceria comercial com a China? Independentemente das motivações, o caso ilustra perfeitamente como políticas comerciais protecionistas podem fortalecer justamente os competidores que se pretendia enfraquecer.
Esta saga comercial oferece uma lição valiosa sobre a complexidade das relações econômicas internacionais no século XXI. Em um mundo interconectado, ações unilaterais raramente produzem apenas os efeitos desejados. A interdependência das cadeias produtivas globais significa que medidas protecionistas frequentemente ricocheteiam de formas inesperadas, gerando vencedores e perdedores que não correspondem às intenções originais.
Para o Brasil, esta situação representa tanto uma oportunidade quanto um alerta. A oportunidade é clara: consolidar-se como líder global na exportação de commodities agrícolas, aproveitando o espaço aberto pela autossabotagem americana. O alerta, igualmente importante, é sobre a volatilidade das relações comerciais internacionais e a necessidade de diversificação de mercados.
O episódio das guerras comerciais de Trump e os possíveis benefícios inesperados para a agricultura brasileira se concretizar realmente, permanecerá como um estudo de caso sobre como o protecionismo, em um mundo globalizado, frequentemente produz consequências diametralmente opostas aos seus objetivos declarados. Uma lição que, aparentemente, continua a ser ignorada por líderes que insistem em simplificar as complexas dinâmicas do comércio internacional.