Dona Onça, de Luiz Caldas e Guilherme Menezes,
Nos momentos mais sombrios da história, quando a censura cerra os lábios e o medo se infiltra nas entrelinhas, a metáfora surge como o refúgio do artista e a arma da resistência. Sob regimes autoritários, a palavra direta é silenciada, mas o simbolismo e a sutileza poética encontram brechas onde o grito é proibido. Foi assim que Chico Buarque driblou a repressão, transformando versos aparentemente inofensivos em mensagens de contestação. E é nessa tradição que se insere a música Dona Onça, de Luiz Caldas e Guilherme Menezes, cuja força simbólica evoca a eterna luta contra aqueles que tentam reescrever a história para apagar a memória coletiva.
O verso de Chico – “Hoje você é quem manda, falou, tá falado” – ressoa como um retrato atemporal do autoritarismo: a imposição da obediência sem contestação. No entanto, a mesma música que parecia se curvar ao poder, em sua segunda camada de significado, ironizava a fragilidade dos regimes que se sustentam apenas pelo medo. Assim, a arte se transforma em trincheira e o artista, mesmo amordaçado, aprende a falar em códigos.
A metáfora é o esconderijo da verdade. Dona Onça reflete essa lógica. A figura da onça, símbolo de força e dominação, representa um poder arbitrário que, por um tempo, parecia inabalável. No entanto, os versos denunciam sua derrocada: “Você perdeu, dona onça, pega teu rumo e vaza”. Aqui, a canção assume um papel de vingança poética, resgatando um princípio que os tiranos esquecem: o poder imposto pela força não dura para sempre.
Mais do que uma denúncia, a música também expõe a sanha destrutiva dos regimes autoritários. Quando Luiz Caldas e Guilherme Menezes cantam “Nossos livros, nossos quadros e nossas ricas memórias, tudo por você rasgado pra apagar nossa história”, denunciam o revisionismo, a queima de registros culturais e a tentativa de transformar a ignorância em política de Estado. A história já mostrou que ditaduras não se contentam apenas em calar vozes – elas tentam apagar os rastros de quem ousou falar.
Mas há algo que o poder bruto nunca entendeu: as palavras se infiltram nas brechas, a música se espalha como sussurro no vento, e a arte sobrevive mesmo quando seus criadores são perseguidos. Chico Buarque já sabia disso. Luiz Caldas e Guilherme Menezes reafirmam essa verdade. Quando a repressão acredita ter vencido, a poesia está apenas esperando o momento de ressurgir, cantada em rima e verso, para lembrar ao opressor que sua queda é inevitável.
Padre Carlos