É impossível não sentir uma profunda inquietação ao contemplar a transformação silenciosa, mas avassaladora, da ordem mundial. Estamos testemunhando, muitas vezes sem perceber, uma revolução nas estruturas de poder que governam nosso planeta. E o mais alarmante: grande parte de nossa classe dirigente parece obstinadamente alheia a esta realidade.
A presidência Trump nos Estados Unidos serviu como um doloroso estudo de caso desta desconexão. Vimos um líder mundial acreditar, genuinamente, que bastaria gritar mais alto, impor tarifas e ameaçar adversários para “fazer a América grande novamente”. Como cidadãos globais, fomos forçados a observar a colisão entre esta mentalidade transacional do século passado e a intrincada teia de interdependências que define nosso tempo.
É francamente revoltante constatar que, mesmo após esta lição histórica, muitos líderes e nações continuam a operar sob a lógica antiquada de que poder econômico e militar são os únicos instrumentos de influência global. Enquanto isso, países como a China demonstram uma compreensão muito mais sofisticada do novo cenário – investindo estrategicamente em tecnologia, construindo alianças regionais e projetando influência cultural de longo prazo.
O que mais frustra é que esta miopia não é exclusiva de uma única nação ou líder. Em todos os continentes, vemos governantes que insistem em jogar xadrez enquanto o resto do mundo já mudou para um jogo infinitamente mais complexo. A realidade é implacável: dinheiro e armas, sozinhos, não mais determinam quem dita as regras.
Mas há motivos para esperança. Esta transformação também democratiza o poder. Nações menores, empresas inovadoras e até movimentos sociais descobrem que sua influência pode ser amplificada através de novas “moedas”: inovação tecnológica, resiliência de sistemas, capacidade narrativa e inteligência estratégica.
Como cidadãos conscientes, não podemos aceitar passivamente que nossos líderes permaneçam presos a concepções ultrapassadas do jogo mundial. É nosso dever exigir uma compreensão mais profunda desta nova realidade geopolítica. Precisamos cobrar:
- Investimentos sérios em educação e inovação, verdadeiras fontes de poder no século XXI
- Políticas externas que privilegiem a construção de redes de cooperação, não apenas alianças militares
- Maior transparência sobre como dados e influência digital estão redefinindo relações internacionais
- Estratégias nacionais de longo prazo que transcendam ciclos eleitorais
A indignação que sentimos ao ver líderes mundiais jogando no tabuleiro errado deve se transformar em mobilização cívica. Podemos começar educando a nós mesmos e nossas comunidades sobre esta nova realidade. Podemos apoiar iniciativas que promovam adaptabilidade e pensamento estratégico em nossas instituições. Podemos eleger representantes que compreendam a complexidade do século XXI.
O despertar para esta nova realidade pode ser doloroso para aqueles acomodados no poder tradicional, mas é absolutamente necessário. A questão não é se a transformação virá – ela já está aqui. A questão é se seremos protagonistas conscientes desta mudança ou meros espectadores confusos de um jogo cujas regras não compreendemos.
A hora de agir é agora. O mundo já mudou. E nós, como sociedade, não podemos nos dar ao luxo de ficar para trás.
Padre Carlos