Política e Resenha

ARTIGO – EUA vs China: A Superpotência Americana Despreparada para o Confronto do Século XXI

 

 

 

 

Enquanto o mundo assiste ao desenrolar de uma nova era de competição entre grandes potências, uma verdade incômoda emerge no horizonte geopolítico: os Estados Unidos, apesar de seu poderio militar sem precedentes, não estão preparados para vencer um conflito direto contra a China. Esta realidade transcende a simples comparação de arsenais e reflete transformações profundas na ordem mundial que muitos líderes americanos relutam em reconhecer.

A China de hoje não é a União Soviética de ontem. Enquanto a Guerra Fria foi caracterizada por dois sistemas econômicos fundamentalmente isolados um do outro, o relacionamento sino-americano atual é definido por uma interdependência econômica que tornaria um conflito catastrófico para ambos os lados. Os EUA dependem da China para manufatura, cadeias de suprimentos críticas e mercados de consumo, enquanto a China ainda necessita do mercado consumidor americano e de sua tecnologia avançada. Este entrelaçamento representa tanto uma restrição quanto uma vulnerabilidade estratégica que não existia durante a Guerra Fria.

O equilíbrio nuclear, pedra angular da dissuasão durante a Guerra Fria, permanece relevante, mas com nuances significativas. Embora o arsenal nuclear americano continue superior em números, a China modernizou rapidamente suas capacidades, desenvolvendo sistemas avançados de entrega e adotando uma política de “dissuasão mínima crível”. Diferentemente da corrida armamentista soviético-americana, a China busca não a paridade numérica, mas a certeza de sua capacidade de retaliação – suficiente para tornar qualquer primeiro ataque americano impensável.

No domínio convencional, os Estados Unidos enfrentam desafios sem precedentes. O Exército de Libertação Popular da China transformou-se de uma força terrestre massiva, mas tecnologicamente atrasada, em uma máquina militar moderna com capacidades crescentes em todas as dimensões do combate. Mais preocupante ainda é o desenvolvimento chinês de capacidades assimétricas especificamente projetadas para neutralizar as vantagens tradicionais americanas. Mísseis balísticos anti-navio, guerra cibernética, armas anti-satélite e sistemas de negação de área representam apostas estratégicas que visam tornar proibitivamente custosa qualquer intervenção americana no Pacífico Ocidental.

A geografia também favorece desproporcionalmente a China em qualquer cenário de conflito regional. Enquanto os Estados Unidos precisariam projetar poder através de milhares de quilômetros de oceano, a China operaria próxima a suas bases e sob a proteção de sistemas de defesa integrados em seu território. Taiwan, o ponto focal mais provável de qualquer confronto, está a apenas 160 quilômetros da costa chinesa, mas a quase 11.000 quilômetros do continente americano.

As alianças, que proporcionaram aos EUA vantagem decisiva durante a Guerra Fria, apresentam-se hoje menos coesas e determinadas. A Europa, dividida em suas prioridades e dependente economicamente da China, seria no mínimo um aliado hesitante. Parceiros regionais americanos na Ásia – Japão, Coreia do Sul, Filipinas e Austrália – embora formalmente alinhados com Washington, mantêm profundos laços econômicos com Pequim que complicariam severamente sua participação em qualquer conflito. Esta ambivalência contrasta fortemente com a clareza ideológica e estratégica que caracterizou as alianças ocidentais contra o bloco soviético.

O aspecto mais preocupante, entretanto, reside na divergência fundamental de horizontes temporais e preparação psicológica. A China, guiada por uma visão estratégica de longo prazo, demonstra disposição para sustentar sacrifícios significativos em prol de objetivos nacionais. A sociedade americana contemporânea, cada vez mais polarizada e focada em gratificações imediatas, parece incapaz de manter o consenso social necessário para um conflito prolongado. A guerra moderna exige não apenas superioridade tecnológica, mas resiliência social – qualidade que tem se mostrado escassa nos recentes engajamentos militares americanos.

As implicações desta realidade para a estabilidade internacional são profundas. O declínio relativo do poder americano frente a uma China ascendente não necessariamente precipitará um conflito, mas certamente incentivará uma reconfiguração da ordem global. Nações menores, especialmente na Ásia, recalibrarão suas alianças, buscando equilibrar relações com ambas potências. Instituições internacionais, historicamente dominadas pela influência ocidental, enfrentarão crescentes demandas por reforma para refletir novas realidades de poder.

Diferentemente da Guerra Fria, onde a cortina de ferro delimitava claramente esferas de influência, o século XXI testemunhará uma “cortina digital” mais fluida e permeável, com nações gravitando entre os sistemas tecnológicos, econômicos e de valores representados por Washington e Pequim. A competição ocorrerá não apenas no campo militar, mas nos domínios de inovação tecnológica, modelos de governança e sistemas econômicos.

Para os Estados Unidos, o reconhecimento de suas limitações não constitui resignação, mas o primeiro passo necessário para uma estratégia realista. Washington precisa urgentemente reinventar sua abordagem, reconhecendo que contenção militar e confrontação direta oferecem menos promessa que engajamento seletivo e competição estratégica. Investimentos em educação, infraestrutura e inovação doméstica, aliados a uma diplomacia pragmática, representariam respostas mais eficazes que ilusões de supremacia militar perpétua.

A era da hegemonia americana incontestável chegou ao fim. A questão crucial não é se os Estados Unidos podem “vencer” um conflito contra a China – pois tal vitória, mesmo se militarmente possível, seria uma catástrofe para ambos e para o mundo. A verdadeira questão é se a América pode adaptar-se graciosamente a um mundo multipolar, mantendo seus valores e prosperidade enquanto acomoda o inevitável crescimento da influência chinesa.

A história nos ensina que as grandes potências raramente se confrontam diretamente quando os riscos são apocalípticos. O que testemunharemos nas próximas décadas não será uma repetição da Guerra Fria, mas um novo tipo de competição – mais complexa, mais integrada e potencialmente mais perigosa. Navegar este novo território exigirá sabedoria, paciência e humildade – virtudes que têm estado dolorosamente ausentes no discurso estratégico americano contemporâneo.

(Padre Carlos)