Por Padre Carlos
A história recente do Brasil parece, muitas vezes, escrita em espirais de narrativas — ora carregadas de fatos, ora conduzidas por conveniências políticas. O nome de José Ferreira da Silva, o histórico sindicalista mais conhecido como Frei Chico, irmão mais velho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, volta à superfície, não por seus feitos no passado, mas por suspeitas que pairam sobre o sindicato que hoje ajuda a dirigir. E, como é comum em tempos de manchetes aceleradas, seu apelido e parentesco se tornam alvos mais fáceis do que qualquer exame cauteloso dos fatos.
Frei Chico tem 82 anos e uma história que se confunde com os embates mais decisivos da luta dos trabalhadores no Brasil. Metalúrgico, comunista convicto, torturado pela ditadura militar — e mentor de um certo Luiz Inácio no sindicalismo, muito antes de a história elevá-lo ao Planalto. O apelido “Frei” nasceu entre risos e carecas, mas a seriedade de sua trajetória é inegável: foi ele quem recusou uma chapa sindical nos anos 1960 para indicar o irmão mais novo, que ainda era um jovem operário do ABC.
Essa biografia, no entanto, parece pouco importar quando a espetacularização de operações policiais toma o lugar da presunção de inocência. O Sindnapi, sindicato do qual Frei Chico é hoje vice-presidente, foi um dos alvos da Polícia Federal em uma investigação sobre fraudes no INSS que somam mais de R$ 6 bilhões em descontos indevidos. A gravidade dos números exige rigor e apuração séria. Mas até aqui, não há prova alguma que relacione Frei Chico diretamente com qualquer desvio.
E mais: ele mesmo, de maneira pública e direta, pediu que “toda a sacanagem” fosse investigada. A transparência, tão rara em tempos de silêncio calculado, deveria ser reconhecida. Não há, por ora, denúncia formal contra ele. Tampouco se pode ignorar que o histórico de acusações passadas — como a alegação de uma “mesada” da Odebrecht — já foi rejeitado duas vezes pela Justiça, por ausência de provas.
A demonização por parentesco é um recurso antigo e perigoso. Transformar a biografia de Frei Chico em argumento político contra Lula ou em símbolo genérico de corrupção sindical é não apenas injusto — é, sobretudo, desonesto com a história. E essa história não é pequena: ela atravessa o terror dos porões da ditadura, a organização operária, as divisões da esquerda e os duros embates com a elite econômica.
Criticou o PT, discordou do irmão, apoiou Quércia, foi PCB até o fim — Frei Chico jamais foi um homem de conveniências, mas de coerências. Em tempos em que a política se apequena por conveniência e cálculos eleitorais, talvez essa coerência custe caro. Mas para a história, é ela que permanece.
Investigar, sim. Julgar com base em provas, também. Mas jamais permitir que o preconceito suplante a justiça. Se o Brasil tem algo a aprender com figuras como Frei Chico, é que o verdadeiro perigo não está em quem se dedica a servir a classe trabalhadora — mas em quem, com manchetes rasas e julgamentos apressados, tenta apagar esse serviço da memória coletiva.