Por Padre Carlos
O recente julgamento de Débora Rodrigues, ré nos processos relativos aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, trouxe à tona uma divergência significativa dentro do Supremo Tribunal Federal, protagonizada pelo ministro Luiz Fux. Enquanto a maioria dos ministros acompanhou o relator na condenação a 14 anos de prisão, Fux destoou radicalmente, propondo apenas 1 ano e 6 meses – uma diferença que não pode passar despercebida. Esta disparidade gritante não é meramente uma questão técnica, mas possivelmente um reflexo de posicionamentos mais profundos dentro da nossa mais alta corte.
O voto divergente de Fux chama atenção não apenas pela redução drástica da pena proposta, mas principalmente por sua argumentação, que parece minimizar a gravidade dos eventos ocorridos. Ao afirmar que “a acusação não conseguiu comprovar de forma individualizada” a participação da ré nos crimes mais graves, Fux parece isolado em sua interpretação. Os demais ministros, incluindo Cristiano Zanin – que propôs uma pena intermediária -, reconheceram claramente a “concertação delitiva” e a “concorrência de vontades” nos atos que visavam a “derrubada de poder”.
Não podemos ignorar o histórico do ministro Fux, que teve papel decisivo no fortalecimento da Operação Lava Jato. Sua trajetória revela uma linha de atuação que, por vezes, parece desalinhada com a maioria de seus pares. O incômodo manifestado em relação às decisões colegiadas sugere um distanciamento crescente dentro da corte. A argumentação de que Débora “permaneceu apenas na parte externa da Praça dos Três Poderes” contrasta diretamente com o destaque feito por Alexandre de Moraes sobre a presença da ré no QG do Exército “pedindo intervenção militar” e a deliberada ocultação de provas. São interpretações tão distantes dos mesmos fatos que não podem ser explicadas apenas por divergências jurídicas pontuais. Este afastamento interpretativo levanta questões sobre um possível realinhamento de forças no Supremo.
Estaria o ministro Fux buscando compor uma “bancada” alternativa com outros ministros mais alinhados a determinadas posições políticas? A disparidade do voto, que destoa significativamente da tendência manifestada pela corte nos 470 casos semelhantes já julgados, parece sugerir mais que uma simples diferença técnica.
O episódio evidencia as tensões internas de um tribunal que, apesar de sua missão institucional unificadora, reflete em sua composição as próprias divisões da sociedade brasileira. A divergência de Fux, tão desproporcional em relação aos demais votos, pode ser um indicativo preocupante de uma corte cada vez mais fraturada em suas convicções fundamentais sobre democracia e Estado de Direito.