Política e Resenha

Fernanda Montenegro, Drummond e o eco eterno do amor materno

 

Neste domingo, a atriz Fernanda Montenegro, aos 94 anos, voltou a nos lembrar por que é chamada de dama da dramaturgia brasileira. Em um gesto aparentemente simples, publicou em suas redes sociais a leitura da crônica Mãe, de Carlos Drummond de Andrade. Contudo, o gesto foi tudo, menos simples. Foi profundo, necessário e, sobretudo, poético — no mais amplo sentido da palavra.

Ao escolher esse texto escrito por Drummond em 1954, seis anos após a morte de sua mãe, Fernanda não apenas homenageou o escritor e o universo materno, mas tocou em uma ferida universal: a da ausência. Com sua voz grave, pausada e repleta de significados, ela deu corpo e alma às palavras que Drummond escreveu com o coração quebrado de um filho órfão. A crônica é um testamento de amor incompleto, de saudade mal resolvida, de um pedido de perdão que ecoa nos silêncios de todos nós.

“Perdoa-me não amar-te como queria…”, escreve Drummond, em uma confissão que, lida pela voz de Fernanda, ganha uma dimensão ainda mais pungente. É impossível não se ver ali, não se reconhecer nessa luta silenciosa entre o amor profundo e as distrações cotidianas que nos afastam dos que mais importam. Quantos de nós não somos filhos que se culpam por não ter amado com a intensidade que desejavam? Quantos não carregam essa mesma falha, tão humana e tão irreparável?

Fernanda Montenegro, mais uma vez, atua como ponte entre gerações. Relembra que cultura, memória e afeto não têm prazo de validade. Ao compartilhar Drummond com sua audiência — muitos dos quais talvez nunca tenham lido a crônica —, ela reativa uma sensibilidade que parece rarear em tempos de velocidade e superficialidade. E ao fazer isso nas redes sociais, espaço tantas vezes marcado por frivolidades, ela reencanta esse território com arte e humanidade.

Esse encontro entre duas figuras monumentais da cultura brasileira — um, o poeta da palavra escrita; a outra, a intérprete da alma — não é apenas um ato artístico. É um serviço à memória afetiva do Brasil. Um lembrete de que mães não são apenas figuras biológicas ou sociais, mas presenças eternas, mesmo na ausência. E que a arte, quando verdadeira, nos devolve aquilo que achávamos perdido: a capacidade de sentir profundamente.

Que o gesto de Fernanda inspire mais que curtidas. Que inspire silêncios, lágrimas e telefonemas atrasados. Que inspire, acima de tudo, a escuta — de nossas mães, de nossas memórias e de nossos próprios sentimentos.