Política e Resenha

ARTIGO – Raposa e o Principezinho

 

(Padre Carlos)

Outro dia fui convidado a falar para uma turma que estava concluindo o ensino médio. Ao fim da palestra, um jovem se aproximou e, com olhos brilhando de curiosidade, me perguntou: “O que o senhor entende por cativar?”

Sorri com ternura. A pergunta ecoou dentro de mim como quem pede abrigo. Respondi: “Falar de cativar me lembra a conversa entre a Raposa e o Principezinho.”

E então recordei aquelas linhas delicadas de Saint-Exupéry. Quando o pequeno príncipe pergunta à Raposa o que significa “cativar”, ela responde com doçura e dor: é criar laços. Algo que o mundo anda esquecendo.

A partir dali, se estabelece um diálogo entre o pequeno viajante das estrelas e o animal sábio, que termina com palavras que, confesso, me atravessam a alma:

“Você não é nada para mim. É só um garoto igual a cem mil outros. E eu sou só uma raposa igual a cem mil outras. Mas, se você me cativar, nós teremos necessidade um do outro. Você será para mim único no mundo. Eu serei para você única no mundo.”

Essas palavras me levaram a pensar: e se não houver amanhã? Por que resistimos tanto em cativar e, talvez mais ainda, em nos deixar cativar? Seria o medo de depender? De nos tornarmos vulneráveis ao afeto do outro?

Mas só desarmando o coração podemos dizer: “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.”

A semana que passou foi como esta. E esta será como a próxima. Caminhamos entre pessoas invisíveis. Estamos nas mesmas praças, nas mesmas escolas, nas mesmas igrejas — e, no entanto, não as enxergamos.

Nos ensinaram a conter os sentimentos. A segurar o abraço. A economizar palavras doces. A evitar laços como quem evita feridas.

Mas cativar é o contrário disso: é sair de si para alcançar o outro. É dar permissão para que outro entre em nossa alma e, quem sabe, ali permaneça.

A Raposa e o Principezinho entenderam. Compreenderam que criar laços é a única forma de tornar a vida menos solitária e o mundo mais habitável.

Cativar é também aceitar o outro em sua história, sua cor, sua origem, sua fé. É perceber que só se constrói paz onde há respeito. Que só se vive bem onde há afeto. Que só se combate o preconceito quando olhamos para o outro e o reconhecemos como parte de nós.

Por que temos tanto medo de amar com liberdade? Talvez porque, como disse a Raposa: “O essencial é invisível aos olhos. Só se vê bem com o coração.”

O mundo precisa reaprender a cativar. Precisa repactuar com o afeto, com o diálogo, com o encontro. Estamos nos tornando predadores uns dos outros. Porque falta coração, e sobra pressa.

As raposas estão caçando galinhas. E os homens, caçando raposas.