Política e Resenha

PALESTINOS E PATAXÓS

 

“Não sou pessimista, eu amo este mundo horrível.”

Emil Cioran

Domingo, dia de tempestade de verão, faltou energia e o sinal de celular ficou em uma única barra, quase nada. Enquanto a chuva caia com muita intensidade, a escuridão imperava entre os clarões dos

raios e o barulho dos trovões que rebentavam o silêncio.

Era umas oito da noite, quando o celular tocou e a ligação caiu. Fui olhar quem poderia ter ligado, o código de área era 970. Ahh, alguma empresa de telemarketing querendo vender produtos, não preocupei.

Cinco horas depois a energia restabelece e vejo uma mensagem de texto com o seguintes dizeres : “ave tinas macxtrinas”, e em seguida uma tradução “queremos paz”. Sim, era ele, o inconfundível. Verifiquei o código de área e se tratava da identificação internacional da Palestina.

Ligo a  tv, deslizando entre os canais reconheço a face de Boquinha dando entrevista para a rede de TV  Al Jazeera. Estava usando um lenço keffiyeh, daqueles criado pelos ingleses e que ganhou fama com Yasser Arafat, e uma camisa preta da Banda Legião Urbana.

Na tv uma tarja, no espaço de baixo da tela, estava escrito em árabe “mutarjim ahli”, tradutor original. Antony Little Mouth, Boquinha, informa que foi para o Oriente Médio ensinar a língua de sua criação, mas terminou se solidarizando com o povo Palestino. Falou de paz, fraternidade e um pedido comovido para que a guerra termine. Disse que estava colando nos caminhões de ajuda humanitária a frase em “Tupã-Guaraná” “ptria tinas sonèster” que quer dizer “Somos de boa, levamos ajuda”.

O jornalista Shireen Abu Akleh, da Al Jazeera, perguntou : como os militares iriam identificar a mensagem e respeitá-la ? Moss, respondeu como bom baiano, “em um conflito todos querem decifrar os códigos complexos”, e ele estava ali para ensinar a mais importante linguagem universal: harmonia entre os povos.

Quando o jornalista preparava a segunda pergunta uma bomba explodiu próximo do local que estavam. Entrevista encerrada, um comentarista internacional exaltou a sua trajetória humanista e seguiu mostrando imagens da guerra.

Minutos depois ele me ligou, muito barulho, chiados ao fundo, como se um radiotransmissor estivesse em comunicação. Ofegante, me informou que estava no centro do conflito ajudando, salvando, ensinando, aprendendo, mas com esperanças na fraternidade mundial.

Como o personagem de Guimarães Rosa,  Riobaldo, expôs que “viver é arriscoso” mesmo. Lembrou do tempo que viveu com os Pataxós e sente como é ruim ser chamado de invasor em uma terra que os pertencia. Entende a dureza e apatia dos rostos daqueles que frequentam suas praias no verão, nos seus tempos na Coroa Vermelha, quando os oferecia artesanato de madeira, colares de conchas e penas. Onde a sobrevivência ameaçada os leva ter a profunda dor da invisibilidade dos despossuídos.

Estava bastante triste com a morte da Nega Pataxó, pelo “Movimento Invasão Zero”. E lá, do outro lado mundo, com igual discurso, vivia o mesmo paradoxo dos povos originários. Foi também com esse olhar que István Mészáros moldou seu slogan “outro mundo é possível”, realizando a crítica contra os poderes que travam as guerras em nome da liberdade e democracia.

Ainda na esteira do pensamento comentou uma frase do governador, que disse  “Tomaremos todas as providências e puniremos os culpados no rigor da lei”, ou “ao redor do buraco tudo é beira”, citando Ariano Suassuna, em uma alusão clara de que nada será feito, como sempre. A impunidade é como o gato de Schrödinger que permanece na caixa, e para todos ele não está morto, nem vivo.

Uma voz chorosa e um silêncio rápido, parecia que uma lágrima tinha entrado no microfone. Descendente dos valentes Mongóios ele terminou dizendo “filho de mestre Bimba não cai”, lembrando as feitas quando jogávamos capoeira ao ritmo do berimbau do Mestre Manoel Sarará. Em outras palavras venceremos, venceremos.