Política e Resenha

A Proliferação de Partidos Políticos no Brasil: Democracia ou Negócio?

 

 

 

No vasto universo da língua portuguesa, poucas palavras carregam tantos significados e, ao mesmo tempo, tanta ironia quanto “partido”. Do quebrado ao lucrativo, passando pelo matrimonial, o termo “partido” parece conter em si toda a complexidade e, por que não dizer, toda a contradição da vida política brasileira.

A Polissemia Reveladora

O dicionário Caldas Aulete nos presenteia com uma variedade de definições para “partido” que, longe de serem meras curiosidades linguísticas, revelam-se metáforas involuntárias do cenário político nacional. Quando “ter partido” significa “ter lucro”, não estamos apenas diante de uma coincidência lexical, mas de um retrato cruel e preciso de uma parcela significativa da política brasileira.

A Explosão Partidária

O Brasil ostenta hoje 29 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Este número, por si só, já seria suficiente para levantar questionamentos sobre a real necessidade de tantas agremiações em um país que, apesar de sua diversidade, dificilmente comportaria 29 linhas ideológicas distintas e relevantes.

Mais alarmante ainda é a constatação de que, deste total, ao menos metade surgiu não para representar segmentos da sociedade ou defender ideias, mas para atender aos interesses de uma subclasse política ávida por poder e, não raramente, por vantagens pessoais.

Os Casos Emblemáticos

Os partidos emergem neste cenário como exemplos paradigmáticos deste fenômeno. Surgidos como que por geração espontânea no espectro político nacional, estas agremiações ilustram de forma eloquente o processo de criação de partidos sem representatividade real, sem terem passado pelo crivo das urnas.

O mais preocupante é que, concomitantemente ao processo de registro junto ao TSE, a imprensa já denunciava irregularidades em suas formações. Este fato levanta questões sérias sobre a eficácia dos mecanismos de controle e fiscalização dos partidos políticos no Brasil.

As Consequências para a Democracia

A proliferação de partidos políticos, especialmente daqueles criados sem uma base ideológica ou social clara, traz consequências nefastas para o sistema democrático:

  1. Fragmentação do debate político: Com tantas siglas, o eleitor médio tem dificuldade em distinguir propostas e ideologias, o que empobrece o debate público.
  2. Enfraquecimento da representatividade: Partidos criados artificialmente tendem a não representar genuinamente nenhum segmento da sociedade.
  3. Mercantilização da política: O surgimento de partidos como empreendimentos lucrativos perverte a essência da representação democrática.
  4. Instabilidade governamental: A pulverização partidária dificulta a formação de maiorias estáveis no Legislativo, comprometendo a governabilidade.
  5. Descrédito do sistema político: A percepção de que partidos são meros instrumentos de interesses privados mina a confiança da população nas instituições democráticas.

O Caminho para a Reforma

Diante deste cenário, torna-se imperativa uma profunda reforma do sistema partidário brasileiro. Algumas medidas que poderiam ser consideradas incluem:

  • Estabelecimento de critérios mais rigorosos para a criação e manutenção de partidos políticos.
  • Implementação de uma cláusula de barreira efetiva, que incentive a fusão de partidos ideologicamente alinhados.
  • Revisão do sistema de financiamento partidário, desestimulando a criação de legendas de aluguel.
  • Fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e transparência das atividades partidárias.

Conclusão: Por uma Política de Ideias, não de Interesses

A democracia brasileira, ainda jovem e em processo de consolidação, não pode se dar ao luxo de ter seu sistema partidário transformado em um balcão de negócios. É fundamental que a sociedade e as instituições se mobilizem para resgatar o verdadeiro sentido dos partidos políticos: ser instrumentos de representação popular e de promoção de ideias e projetos para o país.

Quando o dicionário nos diz que “ter partido” pode significar “ter lucro”, cabe a nós, cidadãos, garantir que esta não seja a definição que prevaleça na prática política nacional. O Brasil merece e necessita de partidos que sejam verdadeiros partidos de ideias, não de interesses; de projetos, não de negócios; de cidadania, não de oportunismo.

Somente assim poderemos construir um sistema político que seja, de fato, representativo e capaz de enfrentar os enormes desafios que o país tem pela frente. A proliferação indiscriminada de partidos não é sinal de saúde democrática, mas sim um sintoma de sua distorção. É hora de repensar e reformar, para que a política volte a ser o que deve ser: um instrumento de transformação social e não um fim em si mesma.

Padre Carlos