Política e Resenha

O Sabor Agridoce da Saudade: Reflexões de um Menino, Padre e Militante

 

 

Há dias em que somos pura saudade. Uma dorzinha manhosa que se instala no peito, fazendo o coração bater mais forte, os olhos marejarem. É como se uma parte de nós quisesse escapar, transbordar em forma de lágrimas furtivas. A saudade é esse desassossego que permeia cada canto do ser, um sentimento à flor da pele que transforma o mundo ao nosso redor.

Minha infância na Pituba, bairro de Salvador, é um desses lugares da memória que a saudade visita com frequência. De balneário bucólico a reduto da classe média, vi as transformações pelas ruas Rio de Janeiro e São Paulo. O cheiro do mar, misturado ao burburinho das famílias que chegavam para o veraneio, ainda ecoa em minhas lembranças.

A juventude no Nordeste de Amaralina trouxe outros aromas e sons. Foi lá que a consciência política começou a florescer, culminando na militância contra a ditadura. Os partidos clandestinos, as reuniões secretas, o medo e a esperança se misturavam num caldeirão de emoções que hoje, olhando para trás, alimentam essa saudade complexa de um tempo de luta e ideais.

A redemocratização do país foi como ver o nascer do sol após uma longa noite. Participar ativamente desse processo deixou marcas indeléveis, lembranças que hoje se tingem com as cores da nostalgia. Cada conquista, cada avanço, era celebrado como uma vitória pessoal e coletiva.

Minha jornada pelo seminário e os anos como padre adicionaram novas camadas a essa tapeçaria de memórias. O serviço à comunidade, os momentos de reflexão, as alegrias e desafios do ministério – tudo isso se entrelaça na teia da saudade que por vezes me envolve.

É curioso como a saudade pode transformar o cotidiano. A brisa que passa dói, a música ecoa mais fundo, os cheiros evocam lembranças há muito guardadas. O cantar de um pássaro, uma frase solta, o nome de uma rua – tudo pode ser gatilho para esse sentimento agridoce. Até mesmo uma flor comum pode se tornar extraordinária aos olhos da saudade.

Como cantavam Cascatinha e Inhana, a saudade é mesmo uma “palavra triste”. É como uma borboleta, delicada e efêmera, que pousa sobre as flores das nossas memórias. Não há remédio que cure essa dor das ausências, esse vazio que se instala quando perdemos um grande amor ou quando o tempo nos distancia de momentos preciosos.

No entanto, é essa mesma saudade que nos mantém conectados com nossa história, com quem fomos e com quem nos tornamos. Ela é o fio condutor que liga o menino da Pituba ao jovem militante, ao padre dedicado e ao homem que hoje reflete sobre sua jornada.

Talvez o verdadeiro remédio para a saudade não seja curá-la, mas abraçá-la. Reconhecer nela o testemunho de uma vida rica em experiências, de amores vividos intensamente, de lutas que valeram a pena. A saudade, afinal, é o preço que pagamos por termos tido a coragem de viver plenamente.

Então, nos dias em que a saudade bate mais forte, quando cada esquina parece guardar um pedaço do passado, talvez o melhor a fazer seja permitir que ela nos envolva. Deixar que as lágrimas corram, que o coração acelere, que as lembranças dancem diante dos olhos. Pois é nesse momento que percebemos: a saudade dói porque fomos felizes, porque amamos, porque vivemos.

E no fim, não é isso que realmente importa?