Política e Resenha

O Espelho do Poder: Lições do Pe. Antônio Vieira para a Política Moderna

 

 

Em um mundo onde o poder é tão cobiçado quanto temido, o velho adágio “todo poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente” ressoa com uma verdade incômoda. Esta máxima, longe de ser apenas um ditado popular, é um reflexo doloroso de nossa realidade política e social, tanto em regimes ditatoriais quanto em democracias aparentemente sólidas.

A história nos ensina, repetidamente, que o caminho do poder é pavimentado com boas intenções, mas frequentemente desemboca em um lamaçal de corrupção. Vivenciamos isso na carne durante os anos sombrios da ditadura, onde o poder concentrado nas mãos de poucos resultou em abusos sistemáticos e na erosão dos direitos fundamentais. No entanto, seria ingênuo acreditar que a transição para a democracia nos livrou completamente desse mal.

Os escândalos que periodicamente abalam nossas instituições democráticas são um lembrete constante de que a corrupção não conhece fronteiras ideológicas ou sistemas de governo. Diante desses episódios, muitos de nós nos vemos tentados a fazer concessões, aceitando pequenas corrupções como um mal necessário. “É melhor dar os anéis para não perder os dedos”, dizemos, numa racionalização perigosa que abre as portas para transgressões cada vez maiores.

Neste contexto, as palavras do Padre António Vieira, proferidas há séculos, ganham uma relevância surpreendente. Em seu sermão do quarto domingo da Ascensão, Vieira nos convida a uma reflexão profunda sobre a natureza do pecado e do arrependimento. Ao afirmar que a imagem de seus próprios pecados o comove mais do que a imagem de Cristo crucificado, Vieira nos desafia a olhar para dentro, a confrontar nossas próprias falhas e compromissos morais.

A genialidade de Vieira está em sua capacidade de inverter nossas expectativas. Onde esperávamos um sermão convencional sobre a grandeza de Cristo, encontramos um espelho que reflete nossas próprias imperfeições. Esta inversão é particularmente poderosa quando aplicada à questão do poder e da corrupção.

Quando contemplamos o “preço pelo qual Deus nos comprou” – o sacrifício de Cristo – somos tentados à soberba, a nos sentirmos especiais e merecedores. Esta é a mesma armadilha que captura tantos que ascendem ao poder, levando-os a se verem como acima da lei e da moral comum.

No entanto, quando confrontados com a imagem de nossos próprios pecados – nossas pequenas corrupções, nossas concessões morais, nossas justificativas para atos questionáveis – somos forçados a reconhecer nossa própria insignificância. Percebemos que, apesar do alto preço pago por nossa redenção, frequentemente nos vendemos “pelos nadas do mundo”.

Esta perspectiva teológica oferece uma lente valiosa através da qual podemos examinar nossa relação com o poder e a corrupção na esfera pública. Ela nos lembra que a verdadeira força moral não vem da posição que ocupamos ou do poder que exercemos, mas de nossa capacidade de reconhecer nossas falhas e resistir às tentações que o poder apresenta.

Em uma era onde o cinismo político parece ser a norma, a mensagem de Vieira nos chama de volta à responsabilidade individual. Ela nos desafia a não sermos complacentes com a corrupção, seja ela grande ou pequena, em nossas vidas pessoais ou na esfera pública.

Portanto, ao invés de nos contentarmos em “dar os anéis”, devemos aspirar a uma integridade que resista às seduções do poder. Isso requer uma vigilância constante, não apenas sobre aqueles que exercem o poder, mas também sobre nossas próprias ações e motivações.

A luta contra a corrupção não é apenas uma questão de leis e instituições, mas de consciência individual e coletiva. É um chamado para reconhecermos nossa própria fragilidade moral e, a partir desse reconhecimento, construirmos uma sociedade onde o poder seja exercido com humildade e em benefício do bem comum.

Que as palavras de Vieira ecoem em nossas consciências, lembrando-nos que o verdadeiro valor não está no poder que acumulamos, mas na integridade com que o exercemos. Somente assim poderemos aspirar a quebrar o ciclo vicioso da corrupção e construir uma democracia verdadeiramente ética e justa.