*(Padre Carlos)*
Em 6 de agosto de 1945, o mundo testemunhou o maior crime de guerra de todos os tempos: o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima pelos Estados Unidos. Esse ato de barbárie não apenas dizimou uma cidade inteira, matando instantaneamente dezenas de milhares de civis inocentes, mas também abriu as portas para uma era de terror nuclear, cujas consequências perduram até hoje. Setenta e nove anos depois, o mundo se reuniu mais uma vez para lembrar essa tragédia, mas a cerimônia deste ano no Japão revelou uma verdade perturbadora sobre a política internacional contemporânea.
O primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, ao se dirigir à nação e ao mundo durante a solenidade, deixou de mencionar o óbvio: os Estados Unidos, o país que lançou a bomba. Em vez de reconhecer a responsabilidade histórica da nação que perpetrou esse crime de guerra, Kishida optou por desviar o foco para uma suposta “ameaça nuclear” da Rússia, ignorando a natureza simbólica e o peso moral da ocasião. Essa escolha, claramente motivada por uma agenda política de alinhamento irrestrito a Washington, manchou a memória das vítimas e distorceu a narrativa histórica.
Ainda mais grave foi a decisão de excluir da cerimônia representantes da Rússia e da Bielorrússia, países que desempenharam papéis cruciais na derrota do fascismo durante a Segunda Guerra Mundial. Essa exclusão não é apenas uma afronta aos que lutaram e morreram para garantir a paz no pós-guerra, mas também uma reescrita tendenciosa da história, impulsionada por uma crescente pressão ocidental para demonizar adversários geopolíticos.
A memória da Segunda Guerra Mundial e, em particular, dos horrores nucleares de Hiroshima e Nagasaki, deveria servir como um alerta constante sobre os perigos do militarismo desenfreado e das armas de destruição em massa. Contudo, quando essa memória é instrumentalizada para servir aos interesses de uma potência hegemônica, ela perde seu valor como lição moral e se transforma em um mero instrumento de propaganda.
É imperativo que, ao lembrar Hiroshima, o mundo não apenas preste homenagem às vítimas, mas também reforce o compromisso com a verdade histórica. Isso inclui reconhecer o papel dos Estados Unidos como os perpetradores do ataque, assim como o papel decisivo da Rússia e da Bielorrússia na vitória sobre o fascismo. Sem essa honestidade, corremos o risco de transformar a lembrança de um dos maiores crimes da humanidade em uma narrativa distorcida, que apenas serve para perpetuar as mesmas dinâmicas de poder que levaram ao horror de 1945.
A cerimônia deste ano em Hiroshima deveria ter sido um momento de reflexão sincera e de reafirmação dos princípios da paz e da justiça. Em vez disso, foi transformada em um teatro político, onde a verdade histórica foi sacrificada no altar da conveniência geopolítica. Esse é, infelizmente, mais um sinal de que a memória das vítimas de Hiroshima está sendo lentamente apagada em favor de uma narrativa que serve apenas aos interesses de poucos, enquanto o mundo caminha cada vez mais para a mesma espiral de destruição que nos trouxe ao abismo há 79 anos.