(Padre Carlos)
Hoje me lembrei da minha infância na Pituba, das brincadeiras à beira-mar e das tardes ensolaradas que pareciam não ter fim. Lembrei também da minha juventude no Nordeste de Amaralina, onde cada esquina guardava uma história, e o tempo parecia correr em um ritmo próprio, entre risos e descobertas. Foi então que pensei no Senhor do Tempo, que Caetano Veloso tanto canta, e como ele governa nossas vidas de forma implacável. Inspirado por essas lembranças, busquei botar no papel como um articulista faria, refletindo sobre a essência do tempo e a nossa relação com ele.
O tempo, em sua natureza efêmera e implacável, é como a areia que escorre lentamente pela ampulheta da vida. Cada grão representa um instante que se esvai, um momento que não mais retorna. Essa metáfora, que une a experiência do vazio com o cheio, revela a dualidade de nossa existência: estamos em constante transformação, sendo preenchidos por experiências, emoções e aprendizados, ao mesmo tempo em que nos esvaziamos, desapegando-nos do que já foi, para seguir adiante.
A passagem do tempo é muitas vezes imperceptível, e sua sutileza pode nos enganar, fazendo-nos acreditar que temos controle sobre ele. Mas, na verdade, o tempo segue seu curso com indiferença, sem se preocupar com nossas tentativas de retardá-lo ou apressá-lo. Ele é permanente e irreversível, forçando-nos a caminhar pela vida em uma jornada que, por mais que desejemos que seja linear, é marcada por altos e baixos, por ganhos e perdas.
Cada minuto de nossa vida, por mais trivial que possa parecer, carrega em si o potencial de nos transformar. É um pequeno pedaço de tempo que, ao se somar a outros, constrói a pessoa que nos tornamos. Cada experiência, cada emoção, nos molda de maneira sutil ou profunda, preparando-nos para o próximo momento, para o próximo desafio. E assim, em um ciclo contínuo, somos preenchidos por novas vivências e esvaziados das antigas, até que, em um dado momento, nos desapegamos de tudo.
Esse desapego, que pode ser visto como um ponto final, é na verdade o prelúdio de um novo começo. É o reinício de uma jornada que, assim como a vida, é cíclica e cheia de surpresas. A vida, em sua essência, é um ciclo de renascimentos, onde a cada término sucede um recomeço. A jornada pode ser longa ou curta, difícil ou fácil, mas é sempre única, carregada com as bagagens e histórias que acumulamos ao longo do caminho.
Valorizar nosso legado é compreender que ele é parte intrínseca de quem somos, mas que, ao mesmo tempo, não devemos nos prender a ele de forma que nos impeça de seguir adiante. Nosso passado é importante, mas o instante mágico da existência é o agora. É nesse momento presente que a vida realmente acontece, e é nele que devemos concentrar nossas energias e atenção.
O agora, esse breve instante entre o que foi e o que será, é onde a verdadeira magia da vida se revela. É onde podemos fazer escolhas, agir, sentir, e realmente viver. O presente é a única realidade tangível que temos, e é nele que devemos investir nosso ser, sem nos deixar aprisionar por remorsos do passado ou ansiedades do futuro.
Ao final, a ampulheta da vida não nos concede mais tempo do que já está destinado, mas ela nos oferece a chance de viver plenamente cada grão de areia que escorre. A vida é curta, mas é também extraordinariamente rica e cheia de possibilidades. O tempo, com sua natureza escorregadia, nos lembra constantemente que a vida é passageira, mas que, enquanto ela dura, temos a oportunidade de fazer com que cada momento conte, de construir um legado que ressoe mesmo depois que o último grão de areia tiver caído.