Política e Resenha

ARTIGO – *O Medo Disfarçado: Reflexões sobre a Angústia de Partir deste Mundo* 

 

 

 

O presente artigo tem como objetivo mergulhar na profundidade da dor humana e da angústia que sentimos diante da fragilidade da vida. A inspiração inicial veio de um diálogo pungente entre um pai e sua filha, onde ele, em meio ao desespero, disse-lhe que, se a cruz estivesse muito pesada e ela não conseguisse suportá-la, ele estaria ao seu lado, segurando sua mão. Se este pai não fosse uma pessoa pública, talvez este caso fosse mais um testemunho de amor e compaixão. Esta simples frase carrega consigo a promessa de amparo nas horas mais sombrias, uma metáfora poderosa sobre o medo e a solidão que muitas vezes nos cercam diante da inevitabilidade da dor.

 

Ao mesmo tempo, recordo-me das palavras recentes do Papa Francisco, que destacou a importância de os seminários e espaços de formação espiritual incentivarem a leitura da literatura. Segundo o pontífice, a literatura, em suas formas mais elevadas, é capaz de nos fazer refletir profundamente sobre a condição humana, levando-nos a entender melhor nossos medos, angústias e esperanças. Ela atua como uma ferramenta de reconciliação interior, trazendo consolo e entendimento em momentos de crise existencial.

 

Este artigo, então, busca entrelaçar a compreensão dessas duas reflexões – a dor humana e o papel da literatura – para tentar iluminar a forma como escondemos nosso medo mais íntimo: o medo da morte.

ARTIGO – *O Medo Disfarçado: Reflexões sobre a Angústia de Partir deste Mundo*

(Padre Carlos)

 

O medo da morte é uma sombra que, invariavelmente, nos acompanha ao longo da vida. Mas, como reagimos a essa constante presença? Não raro, disfarçamos essa angústia de forma sutil e quase imperceptível. Nossa cultura moderna, com sua exaltação do novo e do progresso, tenta nos fazer crer que a morte é um acidente, algo que pode ser ignorado ou adiado indefinidamente. No entanto, ela se revela inevitável e, por isso, fonte de profundo desconforto.

 

A literatura moderna e contemporânea tem sido uma das principais formas de explorar e expor esse medo que tentamos esconder. Um dos textos que mais exemplifica a angústia existencial é A Morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói. O protagonista vive uma vida aparentemente perfeita, conforme os padrões de sua época. No entanto, ao ser confrontado com sua mortalidade, ele percebe a futilidade das convenções sociais e o vazio de uma vida que, até então, parecia plenamente realizada. Ivan Ilitch representa cada um de nós quando evitamos pensar sobre o fim. Sua trajetória de negação, raiva e aceitação final espelha a forma como, frequentemente, preferimos ignorar a morte, até que ela se torne impossível de evitar.

 

Esse medo não se resume à morte física; ele é ampliado pelo medo do desconhecido, do vazio que pode vir após a vida. Na obra O Estrangeiro, de Albert Camus, o protagonista Meursault, indiferente à morte da própria mãe, vê-se frente a frente com sua própria execução. Ao longo do romance, o absurdo da vida e a inevitabilidade da morte se entrelaçam de forma a criar uma narrativa de apatia, mas também de reconhecimento da finitude. Camus nos mostra que o maior medo não é o simples ato de morrer, mas a falta de sentido que pode acompanhar o fim da existência.

 

Para muitos, a solução para esse medo é o apego ao que é material, ao que é palpável. Compramos, acumulamos e nos distraímos para afastar a percepção de que tudo o que temos e conhecemos um dia deixará de existir. Esse comportamento, no entanto, apenas mascara a verdade. O poeta norte-americano T.S. Eliot, em A Terra Desolada, nos apresenta um mundo em ruínas, onde a humanidade se encontra espiritualmente perdida. Há uma busca por significado em meio ao caos, mas o medo da morte permanece latente, como uma força que impede a verdadeira renovação. Assim, tentamos nos agarrar a qualquer migalha de permanência, quando, na verdade, a morte está sempre à espreita, pronta para nos lembrar de nossa fragilidade.

 

Dostoievski, em O Idiota, explora a mente de um homem condenado à execução, que experimenta cada segundo como uma eternidade, ciente de que seu tempo está acabando. A obra nos coloca face a face com o terror visceral da finitude, sem nenhuma certeza religiosa ou filosófica que alivie esse sentimento. O protagonista sente o tique-taque do relógio como uma sentença imposta pelo destino. E nós, mesmo sem uma guilhotina à nossa espera, sentimos algo semelhante cada vez que somos obrigados a refletir sobre o fim.

 

Assim, a literatura não nos deixa escapar da verdade que tentamos esconder. Ela reflete o que somos: criaturas frágeis, vulneráveis, que usam máscaras para ocultar o medo do desconhecido. O problema não é apenas a morte, mas a forma como fugimos dela, como se ao ignorá-la pudéssemos vencê-la. Ao nos confrontarmos com essa verdade por meio de grandes obras, talvez possamos, finalmente, encarar a vida de uma forma mais plena, sem as distrações que nos afastam do que realmente importa. O medo da morte pode ser inevitável, mas ele não precisa nos definir.