Nas ruas de Vitória da Conquista, uma cena cotidiana passa despercebida aos olhos de muitos, mas esconde uma realidade brutal: a maratona diária de motoboys e entregadores de aplicativo, uma classe trabalhadora fundamental para o funcionamento da cidade, mas cujas jornadas extenuantes cobram um preço alto – física e mentalmente.
Uma pesquisa de campo realizada pelo Política e Resenha revelou um dado alarmante: quase 60% desses trabalhadores encaram mais de 50 horas semanais sobre duas rodas, em um ritmo que poucos suportariam. Entre eles, Fernando Peixoto se destaca como um exemplo de resiliência. Seus relatos são de uma batalha contínua contra o cansaço e os riscos diários. “Trabalho de 10h a 12h por dia e vários dos acidentes que sofri foram no final do turno”, conta. Não é uma reclamação isolada; muitos de seus colegas enfrentam jornadas ainda mais duras, que não compensam o retorno financeiro limitado.
A rotina é tão implacável que, muitas vezes, esses trabalhadores seguem pilotando mesmo após sofrerem acidentes. A pausa para recuperação é um luxo que eles simplesmente não podem se permitir. Parar de trabalhar significa abrir mão da renda essencial para sustentar suas famílias. Sem uma rede de proteção jurídica eficaz e com pouca valorização social, esses profissionais se encontram presos em uma armadilha onde o corpo se torna o principal campo de batalha.
Além do risco de acidentes, o impacto na saúde física é devastador. Problemas como hérnias de disco e “bicos de papagaio” são comuns entre motoboys que passam 12 horas ou mais por dia pilotando suas motos. A exaustão compromete a capacidade de reação no trânsito, agravando o risco de incidentes, especialmente nos momentos finais das longas jornadas. Esse ciclo vicioso de cansaço, acidentes e mais trabalho para compensar as perdas financeiras torna-se uma realidade que corrói a dignidade desses trabalhadores.
No entanto, essa batalha não se resume apenas às condições físicas. A pressão psicológica é outro aspecto negligenciado. A sensação constante de insegurança nas ruas, o medo de acidentes ou de ser assaltado durante uma entrega, combinado com a pressão por produtividade imposta pelos aplicativos, forma um coquetel explosivo de estresse e ansiedade. O resultado? Trabalhadores que, além de exaustos fisicamente, estão mentalmente esgotados, mas sem a chance de parar e buscar apoio.
Embora esses entregadores tenham se tornado a espinha dorsal do cotidiano urbano, sua visibilidade é mínima, e seu reconhecimento, quase nulo. Eles conectam a cidade, facilitam o fluxo de mercadorias e mantêm o comércio funcionando em tempos de crise, mas continuam invisíveis aos olhos de quem se beneficia de seus serviços. Na prática, são heróis modernos – porém, sem cape e, pior ainda, sem qualquer segurança ou amparo adequado.
O que a história de Fernando e de seus colegas expõe não é apenas uma luta individual, mas um reflexo de um sistema que se aproveita da precariedade, explorando os mais vulneráveis em nome da eficiência e da comodidade. Urge que a sociedade e o poder público olhem para essa realidade com a atenção que ela merece. A luta por reconhecimento e condições dignas de trabalho deve começar agora, ou continuaremos a permitir que esses heróis invisíveis sucumbam ao peso de uma jornada que exige muito e devolve pouco.
É preciso, mais do que nunca, que Vitória da Conquista e o Brasil reconheçam esses trabalhadores não apenas como uma engrenagem descartável na máquina urbana, mas como seres humanos que merecem segurança, respeito e um mínimo de dignidade em sua labuta diária.
Padre Carlos