Política e Resenha

A Delação Premiada: Uma Prática Abominável no Estado de Direito

 

 

 

Durante uma recente palestra sobre conjuntura política, fui questionado por um jovem sobre minha opinião acerca da utilização da ‘delação premiada’ no combate à tentativa de golpe de 8 de Janeiro e no caso envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.  Este tema, que há não muito tempo dividia opiniões entre esquerda e direita, surpreendentemente inverteu os papéis, fazendo com que velhos companheiros esquecessem as origens dessa prática controversa.

Minha posição, compartilhada por pessoas de bom senso, é clara e inequívoca: a delação premiada é uma prática abominável que qualquer Estado de direito deveria rejeitar sumariamente. A denúncia, em sua essência, carrega algo de desagradável e eticamente duvidoso, especialmente quando apresentada sem provas concretas. Aceitar tal colaboração deveria ser restrito apenas a casos extremos, como crimes que envolvam risco de morte ou ameaça direta à vida humana.

O perigo reside no fato de que, quando o denunciante pode obter favores em troca de sua delação, abre-se espaço para as mais absurdas fabricações em nome da autopreservação. Esta prática nada mais é do que um prêmio ao criminoso por trair seus cúmplices, estimulando o que há de mais vil na natureza humana – uma tática reminiscente dos métodos nazistas.

Não podemos esquecer que a adoção desse mecanismo na Operação Lava Jato baseou-se na premissa falha de que os fins justificam os meios. Contudo, esta lógica é fundamentalmente equivocada. Juízes e procuradores deveriam compreender que meios condenáveis inevitavelmente contaminam os fins e as provas obtidas. Através de métodos obscuros e ilegítimos, jamais se alcança um “bom fim” – o resultado final fica irremediavelmente manchado, como pudemos observar no desenrolar da operação.

O Supremo Tribunal Federal, ao permitir que o Estado fosse regido por valores e princípios de caráter duvidoso, comprometeu princípios fundamentais que não deveriam ser alienados. Em nome do pragmatismo, o Estado não pode abdicar de sua dignidade, pois isso mina a credibilidade das instituições perante a sociedade.

As escutas telefônicas, embora problemáticas e frequentemente abusivas, especialmente quando violam a privacidade de advogados de defesa, não se comparam à delação premiada. Nas escutas, o indivíduo incrimina a si próprio, sem envolver terceiros diretamente na denúncia – uma distinção crucial.

A história nos fornece exemplos terríveis do uso da delação: desde a Inquisição, passando pelos regimes fascistas, nazistas e stalinistas, vimos como essa prática pode levar a injustiças monumentais e atos hediondos. Pais denunciando filhos, filhos denunciando pais, vizinhos entregando judeus à morte certa – tudo em nome da autopreservação ou movido pelo medo e pela maldade humana.

A delação premiada, especialmente quando envolve figuras no topo da cadeia de poder, tem o potencial de expor toda a podridão que as sociedades preferem esconder por vergonha. O risco é que, ao trazer à tona essas revelações, possamos desestabilizar as fundações de nossa sociedade, não deixando pedra sobre pedra.

Em suma, a delação premiada é um instrumento que, sob o pretexto de combater o crime, acaba por corromper os próprios alicerces éticos e morais do Estado de Direito. É imperativo que repensemos o uso desse mecanismo, reconhecendo seus perigos e as consequências nefastas que ele pode trazer para nossa sociedade e sistema judicial.