Política e Resenha

A DEMOCRACIA INCOMPLETA: UM ACERTO DE CONTAS COM O PASSADO

 

 

 

 

A geração que lutou contra a ditadura militar no Brasil carrega hoje um sabor agridoce de vitória. Conquistamos a democracia formal, mas falhamos em construir uma democracia substantiva, que deveria ter como pilares a igualdade de oportunidades e a justiça social.

Nossa maior falha talvez tenha sido confundir os meios com os fins. Lutamos pela liberdade de expressão, mas esquecemos que a verdadeira liberdade exige capacidade de compreensão. De que serve o direito de ler quando milhões permanecem analfabetos? A censura mais cruel não é aquela que proíbe os livros, mas a que impede o acesso ao conhecimento.

O sistema educacional que construímos é um monumento à nossa miopia social. Expandimos o ensino superior enquanto negligenciamos a base. Criamos uma pirâmide invertida, onde universidades públicas de qualidade servem predominantemente às elites, enquanto a educação básica, destinada aos mais pobres, permanece precária.

Nossa democracia desenvolveu uma peculiar capacidade de acomodar privilégios. As mordomias que antes eram privilégio de poucos foram democratizadas – não para todos, mas para uma nova casta de privilegiados que se apresenta como defensora do interesse público. A corrupção, que deveria ter sido extirpada, foi normalizada e, em alguns casos, até institucionalizada.

A estabilidade monetária conquistada com o Plano Real foi uma vitória importante, mas incompleta. Não fomos capazes de estabelecer um pacto fiscal responsável e duradouro. O corporativismo e o patrimonialismo continuam a sangrar os cofres públicos, enquanto a desigualdade persiste como nossa marca mais vergonhosa.

Construímos muros ao invés de pontes. Os condomínios fechados são a metáfora perfeita de nossa democracia: ilhas de privilégio cercadas por um mar de exclusão. A violência que tanto tememos é, em grande parte, fruto dessa segregação que ajudamos a perpetuar.

Nossa geração teve a coragem de enfrentar tanques nas ruas, mas não teve a mesma bravura para enfrentar as estruturas que mantêm o Brasil como um dos países mais desiguais do mundo. Criamos mecanismos de transferência de renda, como o Bolsa Família e fortalecemos o SUS, mas não ousamos tocar nas estruturas que reproduzem a pobreza e a desigualdade.

O Brasil que deixamos para as próximas gerações é um país de democracia formal, mas de cidadania incompleta. Um país onde a liberdade política convive com a escravidão econômica, onde o direito ao voto não se traduz em direito à dignidade.

Nossa geração falhou não por falta de ideais, mas talvez por excesso de pragmatismo e falta de radicalidade na defesa desses ideais. Conquistamos a democracia, mas nos acomodamos antes de completar a revolução que ela prometia ser.

É hora de um acerto de contas com nossa história. As novas gerações têm o direito de saber que a democracia pela qual lutamos ainda está por se realizar em sua plenitude. E têm o dever de continuar essa luta, agora não mais contra a ditadura militar, mas contra as estruturas que mantêm milhões de brasileiros em situação de exclusão e vulnerabilidade.

A verdadeira revolução democrática ainda está por ser feita. E talvez seja esta a maior lição que nossa geração pode deixar: a de que a democracia é um processo contínuo de construção e que cada geração tem a responsabilidade de levá-la adiante.