A política brasileira, em especial durante períodos eleitorais, é marcada por debates acalorados, disputas ferrenhas e, muitas vezes, tentativas de desqualificação pessoal que beiram o limite da civilidade. O recente caso envolvendo a prefeita de Vitória da Conquista, Sheila Lemos, e sua autodeclaração como parda no registro de sua candidatura à reeleição é um exemplo nítido de como a questão racial, tão sensível e importante em nosso país, pode ser instrumentalizada de forma a desviar o foco do que realmente importa: a capacidade de liderança e a trajetória política da candidata.
Ao autodeclarar-se parda, Sheila Lemos, que já havia feito o mesmo em eleições anteriores, tornou-se alvo de críticas por parte da oposição, que questiona a veracidade de sua autodeclaração racial. Essa movimentação política não é inédita. O mesmo ocorreu quando o vice-presidente do União Brasil, ACM Neto, também se declarou pardo em 2022, gerando controvérsia e desgaste em sua campanha. No entanto, no caso de Sheila, o ataque parece ter uma conotação ainda mais profunda, pois é acompanhado de uma tentativa de deslegitimar sua trajetória como mulher de origem humilde que alcançou sucesso tanto na esfera empresarial quanto na política.
É preciso considerar que a questão da autodeclaração racial é complexa e, no Brasil, é garantida pela Convenção do IBGE que define como negra a pessoa que se autodeclara preta ou parda. A contestação dessa autodeclaração por parte da oposição revela uma face perversa da disputa política, que busca minar a legitimidade de uma candidata não pelo que ela é ou fez, mas pelo que ela afirma ser em termos de identidade racial.
A crítica à prefeita não parece ser movida por um genuíno interesse na promoção da justiça racial, mas sim por uma estratégia de desqualificação que visa enfraquecer sua imagem e sua campanha. Ao questionar a cor da pele de Sheila Lemos, seus adversários tentam desconstruir a narrativa de uma mulher negra que, por méritos próprios, galgou posições de destaque na sociedade. É uma tática que se volta contra a própria essência do que significa a luta antirracista, que deveria ser sobre inclusão, reconhecimento e respeito à diversidade de experiências dentro da negritude.
Além disso, há uma ironia amarga no fato de que partidos que tradicionalmente se apresentam como defensores das minorias e da justiça social, como o Partido dos Trabalhadores, estejam agora envolvidos em uma polêmica que poderia ser interpretada como uma tentativa de silenciar ou menosprezar a voz de uma mulher que se identifica como parte dessa minoria. Essa contradição expõe a fragilidade das alianças e discursos políticos quando colocados à prova pela realidade das disputas eleitorais.
Sheila Lemos, por sua vez, se posiciona com firmeza, reafirmando sua identidade parda e lembrando a todos que sua declaração está em consonância com sua história de vida e a trajetória de sua família. Ao fazer isso, ela não apenas se defende, mas também reforça a necessidade de que a discussão sobre raça e identidade no Brasil seja tratada com a seriedade e o respeito que o tema merece, sem ser reduzida a uma arma política.
No final das contas, o que está em jogo não é apenas a candidatura de Sheila Lemos, mas a própria dignidade do debate público. Quando a oposição recorre a ataques que beiram o racismo para ganhar espaço político, perde-se uma oportunidade preciosa de discutir propostas, avaliar gestões e construir um futuro melhor para todos os cidadãos, independentemente de sua cor ou origem. É um triste reflexo de como a política brasileira, por vezes, ainda caminha na contramão da civilidade e do respeito que todos nós deveríamos almejar.