A Estupidez da Política
A democracia é um sistema fascinante justamente por sua imperfeição: um arranjo caótico de ideias, debates, confrontos e consensos difíceis. Não há ideal político que se sobreponha à sua essência — a pluralidade. No entanto, o que testemunhamos em tempos recentes é o assassinato gradual dessa pluralidade em nome de uma falsa coesão ideológica. A estupidez da política, como chamarei aqui, está no crescente culto à homogeneidade de pensamento, que é tão antidemocrática quanto a tirania que a democracia deveria combater.
Ser de direita ou de esquerda, como bem sabemos, não pode significar um rótulo que predefina a posição de um indivíduo em absolutamente todas as questões. A política moderna, entretanto, parece querer nos fazer crer que devemos escolher um pacote completo e aceitar todas as cláusulas, como se estivéssemos assinando um contrato leonino. Nesse processo, a consciência individual é abandonada no altar da lealdade partidária.
A Ditadura do Comportamento Ideológico
Estamos vivendo sob a ditadura da coerção social, onde a maior virtude política não é mais a integridade, mas a obediência. Um exemplo gritante disso foi o tratamento dispensado a vereadores como Luciano Gomes e Ricardo Babão em Vitória da Conquista. Ambos, mesmo pertencendo à oposição à atual gestão municipal, votaram em projetos como o FENISA e outras iniciativas importantes para o desenvolvimento da cidade. O preço dessa postura independente? Acusações de “traição” e tentativas de deslegitimar seu papel enquanto representantes eleitos.
Esse comportamento reflete um problema maior: a incapacidade de dissociar pessoas de partidos. É possível – e necessário – ser oposição sem ser um obstáculo. É vital compreender que o bem comum não se subordina às estratégias eleitorais ou à lógica binária do “nós contra eles”.
Consciência Acima da Militância
Ser político não significa abdicar da consciência em favor de uma cartilha partidária. No entanto, é assim que muitos líderes e militantes veem a política hoje: um jogo de fidelidade absoluta, onde o dissenso interno é punido com ostracismo. A inteligência dá lugar à esperteza, o debate é substituído por slogans, e a convicção cede à conveniência.
Por que não podemos ter um político de esquerda defendendo políticas de segurança pública mais severas? Ou um político de direita apoiando medidas redistributivas? Transformar ideologias em dogmas só serve para aniquilar o debate, e sem debate, a política deixa de ser um exercício democrático para se tornar uma coreografia previsível e monótona.
O Paradoxo da Democracia Uniforme
A democracia não é sobre a busca da uniformidade; é sobre a celebração das diferenças. Quando ela se torna um espaço de pensamento único, estamos criando uma antítese do que deveria ser. Essa “uniformidade democrática” é, na verdade, uma forma disfarçada de tirania, onde a liberdade de pensar e agir conforme a própria consciência é substituída pela necessidade de agradar ao grupo.
A unanimidade forçada não fortalece a democracia; ela a destrói. O confronto de ideias é a sua força vital, o que nos permite encontrar soluções que, embora imperfeitas, representem um esforço genuíno para equilibrar os interesses de muitos.
Resgatando a Política de Verdade
A solução para essa estupidez política exige coragem. Coragem para romper com a ideia de que adversários são inimigos. Coragem para defender posições impopulares dentro do próprio grupo, quando estas estão alinhadas com a consciência e a razão.
Isso implica resgatar a ideia de que o debate político não é uma guerra, mas uma busca coletiva por soluções melhores. Implica aceitar que discordar não é um ato de traição, mas um exercício de integridade.
Se continuarmos presos à lógica tribal que domina nossa política, estaremos condenados a destruir o que há de mais valioso em nosso sistema democrático: a liberdade de pensar, discordar e construir juntos.
A democracia, para sobreviver, precisa de pluralidade, coragem e, acima de tudo, respeito à consciência individual. Porque, no fim das contas, a verdadeira estupidez é permitir que ideologias nos tornem prisioneiros de um pensamento único.
Padre Carlos