É com profunda inquietação que observamos o desenrolar da tão aguardada reforma tributária do governo Lula, que parece seguir o mesmo roteiro desgastado que há décadas assombra nossa república. Como cidadãos, assistimos a mais um capítulo da narrativa em que as promessas de justiça fiscal se dissolvem ao primeiro sinal de pressão do mercado financeiro.
Há poucos meses, o debate público fervilhava com propostas que pareciam, finalmente, enderezar as distorções históricas de nossa estrutura tributária. A taxação das grandes fortunas e a isenção do imposto de renda para as camadas mais vulneráveis surgiam como faróis de esperança para uma sociedade marcada pela desigualdade. Bastou, porém, um momento de volatilidade cambial e o temor reverencial à Faria Lima para que o projeto original se transmutasse em seu oposto.
O que testemunhamos hoje é profundamente perturbador: enquanto o trabalhador que recebe R$ 5.000 mensais é obrigado a entregar um quarto de sua renda aos cofres públicos, grandes fortunas permanecem praticamente intocadas, protegidas por um sistema que parece ter sido arquitetado para perpetuar privilégios.
A reflexão do meu professor de filosofia, Padre Bruno, sobre o dilema romano : “Quis custodiat ipsos custodes?” quem controla os controladores?” – nunca foi tão atual. Esta questão, que já inquietava as mentes da antiguidade, permanece dolorosamente sem resposta em nossa democracia. O poder econômico continua ditando os rumos da política fiscal, numa demonstração clara de como as estruturas de poder se autorregulam para manter o status quo.
Não podemos, contudo, sucumbir ao desalento. É precisamente neste momento que precisamos fortalecer nossa mobilização civil e nossa participação democrática. Precisamos exigir transparência nas decisões tributárias, demandar estudos de impacto social das reformas propostas e, principalmente, organizar nossa sociedade para fazer frente às pressões dos grupos econômicos privilegiados.
A verdadeira reforma tributária que o Brasil necessita deve partir de um princípio básico: a capacidade contributiva. Não é aceitável que o peso da arrecadação continue recaindo sobre a classe média e os trabalhadores, enquanto grandes fortunas encontram abrigo em paraísos fiscais e mecanismos de elisão tributária.
É hora de transformar nossa indignação em ação concreta. Precisamos fortalecer os mecanismos de controle social, exigir audiências públicas sobre as reformas tributárias e pressionar nossos representantes por uma legislação que efetivamente promova justiça fiscal. A democracia não pode ser refém do mercado financeiro, e o interesse público não pode se curvar diante do primeiro sinal de pressão econômica.
O Brasil que sonhamos só será possível quando nossa estrutura tributária refletir os princípios de justiça e equidade que tanto almejamos. Até lá, permaneceremos vigilantes e mobilizados, porque a história nos ensina que as verdadeiras transformações sociais só acontecem quando a sociedade civil se mantém atenta e participativa.
A luta por uma reforma tributária justa continua. E ela será vencida não nos corredores do poder econômico, mas na mobilização consciente e determinada de cada cidadão que acredita em um Brasil mais equitativo e justo.