A democracia, por mais que se apresente como um ideal robusto, é, em sua essência, uma estrutura frágil. Não porque seja intrinsecamente falha, mas porque depende de uma delicada harmonia entre instituições, transparência e o compromisso coletivo com o bem comum. Essa fragilidade não deve ser vista como uma fraqueza, mas como um chamado constante à vigilância. A democracia, para florescer, exige atenção permanente, uma consciência aguçada de que cada engrenagem do sistema precisa funcionar adequadamente para que a máquina como um todo não se desfaça.
No entanto, vivemos tempos em que essa vigilância é constantemente desafiada. A polarização crescente, a crise de utopias e a ascensão da subjetividade como princípio norteador das decisões públicas pressionam a democracia e a governabilidade de maneiras inéditas. Cada um desses fenômenos, por si só, representa uma tensão à capacidade das instituições de se manterem firmes diante das tempestades políticas. Quando combinados, formam um turbilhão que ameaça desestabilizar as fundações sobre as quais as sociedades justas e equilibradas são construídas.
A polarização, em particular, divide a sociedade em campos opostos, tornando o diálogo e a conciliação cada vez mais difíceis. Em um ambiente onde o debate é substituído pelo confronto, as instituições que deveriam garantir a transparência e a fiscalização se veem comprometidas, pois são vistas como instrumentos de um lado ou de outro, e não como pilares neutros da justiça. Isso leva a uma erosão da confiança pública, que é vital para a sobrevivência de qualquer democracia.
A crise de utopias, por sua vez, alimenta o ceticismo em relação ao futuro. Sem uma visão comum que una a sociedade, o vazio é preenchido por soluções simplistas e radicais que raramente consideram as complexidades da governança democrática. A subjetividade, exaltada como uma forma de autenticidade, torna-se uma arma de deslegitimação, onde fatos e evidências são relativizados em nome de interesses individuais ou partidários. A verdade se torna maleável, e com isso, a base factual sobre a qual a democracia deveria se sustentar começa a ruir.
Walter Winchell, em sua sábia observação, lembrou-nos que a maior maravilha da democracia é simplesmente tê-la. No entanto, o que ele não disse, mas que podemos inferir, é que mantê-la exige mais do que gratidão passiva. Requer paciência, respeito ao estado de direito, e um compromisso inabalável com os princípios que sustentam essa forma de governo. Em um mundo onde o pragmatismo muitas vezes se sobrepõe aos valores, e onde a sedução do poder pode desviar até os mais bem-intencionados, é imperativo recordar as advertências de Schopenhauer sobre o valor das coisas.
Se nos deixarmos levar pelo pragmatismo a qualquer custo, pelo jogo político dos gabinetes, podemos facilmente perder de vista o propósito maior de nossa ação pública: a defesa da liberdade e da justiça. É essa compreensão, de que certos valores e instituições não podem ser negociados sem consequências graves, que deve guiar nossos passos. Quando comprometemos a integridade dos poderes da República e das classes que representamos, corremos o risco de desestabilizar a democracia de maneiras irreversíveis.
O valor da liberdade, assim como o valor de qualquer coisa, muitas vezes só é plenamente compreendido quando o perdemos. E, na política, as perdas podem ser devastadoras e difíceis de reverter. Cabe a nós, então, em meio ao caos e à disputa, encontrar momentos de pausa para refletir sobre nossas origens, sobre o que realmente importa, e sobre a responsabilidade que temos de preservar a justiça e a democracia. Porque, no final, é essa justiça e essa democracia que nos oferecem a segurança e a equidade necessárias para que todos possam viver em um mundo mais justo e equilibrado.
A democracia pode ser frágil, mas é essa fragilidade que nos lembra diariamente da importância de cuidá-la com zelo, dedicação e, acima de tudo, com um compromisso inabalável com a verdade e a justiça.
