A Guerrilha do Araguaia, um dos episódios mais emblemáticos da resistência à ditadura militar brasileira (1964-1985), continua a reverberar na história do país como um símbolo da luta pela liberdade e justiça social. Entre os anos de 1967 e 1974, a região amazônica, banhada pelo rio Araguaia, foi palco de um conflito armado que colocou em confronto guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e as Forças Armadas. Dentre os líderes dessa resistência, destacou-se Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, uma figura que transcendeu a luta armada para se tornar um mito de resistência e coragem.
O Contexto da Guerrilha do Araguaia
A Guerrilha do Araguaia foi um movimento inspirado nas revoluções cubana e chinesa, que pregava a luta armada como meio de derrubar a ditadura militar e instaurar um regime socialista no Brasil. O PCdoB, sob a liderança de figuras como João Amazonas e Maurício Grabois, escolheu a região do Araguaia por sua geografia inóspita e pela miséria da população local, composta majoritariamente por camponeses explorados por latifundiários. A estratégia era clara: iniciar uma revolução no campo, mobilizar os camponeses e, a partir daí, expandir a luta para as cidades.
No entanto, o movimento foi duramente reprimido pelas Forças Armadas. A partir de 1972, as operações militares se intensificaram, resultando na morte ou desaparecimento da maioria dos guerrilheiros. A Guerrilha do Araguaia foi marcada por violência extrema, execuções sumárias e a ocultação de corpos, tornando-se um dos capítulos mais sombrios da história recente do Brasil.
Osvaldão: O Gigante Invencível
No centro dessa luta, destacou-se Osvaldão. Nascido em Passa Quatro, Minas Gerais, em 1938, ele era um homem de estatura imponente, medindo 1,98 metros e pesando 100 quilos. Sua formação como engenheiro mecânico, sua experiência como boxeador e seu treinamento militar na China o tornaram uma figura carismática e temida. No Araguaia, Osvaldão não foi apenas um líder militar; ele se tornou um símbolo de resistência e esperança para os camponeses locais.
Sua integração com a população foi fundamental para a sobrevivência da guerrilha. Osvaldão conquistou a confiança dos ribeirinhos, que o viam como um protetor e um herói. Ele trabalhou como garimpeiro, caçador e mariscador, aprendendo a se mover com agilidade pela selva e utilizando técnicas de camuflagem que o tornavam quase indetectável. Sua habilidade em imitar sons de animais e sua capacidade de liderar emboscadas rápidas e eficazes o transformaram em uma lenda entre seus companheiros e inimigos.
Estratégias e Luta
As estratégias de Osvaldão foram essenciais para prolongar a resistência da guerrilha. Ele evitava confrontos diretos, preferindo táticas de “hit and run” (atacar e correr) para desgastar as forças inimigas. Sua liderança no Destacamento B foi marcada por ações ousadas, como a emboscada que resultou na morte do cabo Odílio Cruz Rosa, o primeiro soldado morto no conflito. Essa vitória inicial elevou a moral dos guerrilheiros, mas também aumentou a determinação do Exército em capturá-lo.
Osvaldão era visto pelos militares como uma figura quase mítica. Histórias sobre sua suposta invencibilidade e habilidades sobrenaturais corriam entre os soldados, muitos dos quais tremiam ao ouvir seu nome. Essa mitificação não apenas intimidava as tropas, mas também fortalecia a resistência local, transformando Osvaldão em um símbolo de coragem e determinação.
Traição e Morte
A morte de Osvaldão, em 4 de fevereiro de 1974, marcou o início do fim da Guerrilha do Araguaia. Traído por um camponês local, Arlindo Piauí, ele foi assassinado enquanto descansava. Seu corpo foi exposto publicamente pelas forças militares como uma tentativa de desmoralizar a resistência. No entanto, a brutalidade de sua morte apenas reforçou sua imagem como mártir e herói.
Legado e Memória
A Guerrilha do Araguaia e a figura de Osvaldão continuam a ser lembradas como símbolos da luta contra a opressão e a injustiça. Para muitos, ele é um exemplo de coragem e compromisso com a causa da liberdade. Para outros, sua história é um lembrete dos horrores da ditadura militar e da violência do Estado.
A memória de Osvaldão e dos guerrilheiros do Araguaia permanece viva, especialmente entre as comunidades locais que os viram como defensores de seus direitos. A luta por justiça e reparação para as vítimas da ditadura continua, e a história de Osvaldão serve como um testemunho da resistência humana diante da tirania.
Em um país ainda marcado pelas cicatrizes do regime militar, a Guerrilha do Araguaia e figuras como Osvaldão nos lembram da importância de lutar pela democracia e pelos direitos humanos. Sua história é um chamado para que nunca esqueçamos os sacrifícios daqueles que deram suas vidas pela liberdade.
Padre Carlos