Política e Resenha

A Mancha do Batom e a Justiça Seletiva: Uma Reflexão sobre o Caso Débora Rodrigues

 

 

 

 

O indiciamento de 37 pessoas por suspeita de tentativa de golpe de Estado, com o objetivo de manter o ex-presidente no poder após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022, reacende um debate essencial sobre os limites da justiça em tempos de polarização política. Concordo plenamente que, se comprovadas, essas acusações demandam penas severas para os responsáveis. A democracia brasileira, conquistada a duras penas, não pode ser ameaçada por aqueles que, utilizando a estrutura governamental, articularam, financiaram e organizaram ações para subverter a vontade popular. No entanto, ao analisar o caso específico de Débora Rodrigues, condenada a 14 anos de prisão por, supostamente, passar batom em uma estátua, confesso minha discordância – mesmo sabendo que serei criticado pelos defensores do politicamente correto – em relação ao voto do ministro Alexandre de Moraes. Este caso expõe uma distorção preocupante na aplicação da justiça, onde a razoabilidade cede espaço a uma punição desproporcional.

A Necessidade de Punição Exemplar para os Verdadeiros Culpados

Antes de tudo, é fundamental reconhecer a gravidade de uma tentativa de golpe de Estado. Quem conspirou para anular o resultado das urnas, valendo-se de recursos públicos e da máquina estatal, cometeu um crime não apenas contra o Estado, mas contra cada cidadão que confiou no processo democrático. Esses articuladores, financiadores e organizadores devem, sim, receber penas exemplares, que sirvam como um marco dissuasório contra futuras ameaças à soberania popular. A impunidade nesse cenário seria um convite à reincidência, corroendo as bases de nossa democracia ainda em consolidação.

Portanto, não há espaço para leniência com os verdadeiros responsáveis. As investigações devem ser rigorosas, e as punições, proporcionais à extensão do dano que tentaram causar. É preciso garantir que a mensagem seja clara: a democracia brasileira não tolerará ataques à sua legitimidade.

O Caso Débora Rodrigues: Um Exagero Injustificável

Dito isso, o caso de Débora Rodrigues me causa profunda inquietação. Condenada a 14 anos de prisão por, segundo a acusação, ter passado batom em uma estátua durante os protestos, ela foi enquadrada como parte de uma “associação armada” em uma suposta tentativa de golpe. A defesa, em sua “profunda consternação”, classificou o voto do ministro Alexandre de Moraes como um “marco vergonhoso na história do Judiciário brasileiro”, e é difícil discordar dessa perplexidade.

Passar batom em uma estátua é, sem dúvida, um ato de depredação de patrimônio público – um delito que merece reprimenda. Mas equipará-lo a uma tentativa de golpe de Estado, punindo-o com 14 anos de prisão, é uma desproporcionalidade que desafia o bom senso. Os advogados de Débora afirmam que ela nunca teve envolvimento com crimes, que não há provas de participação em organizações criminosas ou de atos violentos que justifiquem tal pena. “Condenar Débora Rodrigues por associação armada apenas por ter passado batom em uma estátua não é apenas um erro jurídico – é pura perversidade”, dizem eles. E eu concordo: essa condenação parece mais um exercício de excesso punitivo do que uma busca por justiça.

Para colocar em perspectiva, penas de 14 anos são frequentemente aplicadas a crimes graves como homicídio qualificado ou tráfico de drogas em larga escala. Comparar isso a um ato de vandalismo menor é um salto lógico que não se sustenta. Débora Rodrigues não é a “grande terrorista da nação”, como a severidade da pena poderia sugerir. É preciso perguntar: na cueca de quem está, de fato, a mancha desse batom?

A Sombra da Politização na Justiça

Outro ponto crítico é a alegação da defesa de que o julgamento foi “político”. A politização do Judiciário é um risco real à democracia, tão perigoso quanto as tentativas de golpe que buscamos punir. Quando a justiça se curva a interesses partidários ou à pressão do momento, ela deixa de ser imparcial e passa a ser um instrumento de perseguição. Não podemos esquecer como esta mesma Justiça foi politizada no  impeachment de Dilma Rousseff na Operação Lava Jato e na prisão de Lula.  Se a condenação de Débora for, de fato, motivada por razões políticas – uma tentativa de fazer dela um exemplo em meio à tensão pós-eleitoral –, estaremos diante de um precedente alarmante.

A confiança do povo no sistema judiciário depende de sua capacidade de julgar com base em fatos e provas, não em conveniências políticas. Uma pena tão desproporcional, aplicada a um ato trivial, alimenta a percepção de que a justiça está sendo seletiva, punindo alguns para enviar uma mensagem enquanto os verdadeiros culpados – os articuladores do golpe – podem estar escapando do foco devido.

A Mancha do Batom como Símbolo de Injustiça

O título deste artigo evoca a “mancha do batom” como uma metáfora para essa distorção. Enquanto os líderes e financiadores de uma possível tentativa de golpe devem ser o alvo principal da justiça, transformar Débora Rodrigues em bode expiatório é uma injustiça que mancha a credibilidade do Judiciário. A expressão “é preciso ver na cueca de quem está a mancha desse batom” aponta para a necessidade de direcionar a investigação e a punição aos reais responsáveis, aqueles que detinham poder e influência para orquestrar um ataque à democracia, não a uma manifestante que cometeu um ato menor no calor dos eventos.

Um Chamado ao Equilíbrio

Defendo que a justiça deve agir com equilíbrio e proporcionalidade. Punir severamente os articuladores de um golpe é essencial, mas isso deve ser feito com base em evidências sólidas e com penas que reflitam a gravidade dos atos cometidos. Condenar Débora Rodrigues a 14 anos de prisão por passar batom em uma estátua não restaura a ordem – ao contrário, cria uma sensação de arbitrariedade que enfraquece o Estado de Direito.

A justiça deve ser firme, mas não vingativa. Deve buscar a verdade, não a intimidação. O caso de Débora sugere que, em nome de combater uma ameaça, estamos arriscando os princípios que dizem respeito à imparcialidade e à equidade.

Conclusão: Justiça, Não Exagero

Concordo que as acusações de tentativa de golpe de Estado são gravíssimas e que os 37 indiciados, se culpados, merecem punições severas – especialmente os que articularam, financiaram e usaram a estrutura governamental para seus fins. Mas discordo, com veemência, da pena imposta a Débora Rodrigues. Ela não é a terrorista que a sentença de 14 anos tenta pintar. A mancha do batom está com aqueles que, de fato, conspiraram contra a democracia, e é neles que a justiça deve focar.

Que este caso não se consolide como um “marco vergonhoso” na história do Judiciário brasileiro, mas como um alerta para que a busca por justiça não se perca em excessos. A democracia exige punição aos culpados, mas também exige proporcionalidade e respeito aos direitos de todos – até mesmo de quem, num momento de protesto, deixou uma marca de batom onde não deveria.