Política e Resenha

A Política como Espelho e os Desafios da Inclusão

 

A frase de Caetano Veloso, “Narciso acha feio tudo o que não é espelho”, ecoa como uma análise precisa sobre as dinâmicas de poder e hegemonia política em Vitória da Conquista. A recente adesão dos vereadores Márcio de Vivi e Natan da Carroceria à base da prefeita Sheila Lemos levanta reflexões profundas sobre o espaço (ou a falta dele) para quem não se ajusta à moldura tradicional do poder.

Os grupos políticos que dominam o cenário conquistense, especialmente aqueles ligados à esquerda, têm raízes profundas, fincadas em décadas de articulações e partilhas de influência. É uma estrutura que, como qualquer sistema consolidado, mostra-se resistente a corpos estranhos, especialmente quando esses corpos não carregam a chancela dos caciques ou a legitimidade de uma longa “caminhada” no campo político.

A Resistência ao “Cristão Novo”

O termo “Cristão Novo” é especialmente simbólico nesse contexto. Ele remete à falta de espaço para aqueles que ingressam tardiamente em um sistema político já hermeticamente fechado. Márcio e Natan, como novos integrantes da base de Sheila, enfrentariam, caso optassem por permanecer na oposição, um cenário de isolamento e irrelevância. Não por falta de ideias ou potencial, mas porque o tabuleiro político da oposição já está lotado, com peças que se movem dentro das regras e interesses de um jogo secular.

A esquerda, com sua histórica vocação para a organização coletiva e a concentração de forças, tem dificuldades em acolher indivíduos que não se alinhem perfeitamente às suas estratégias ou que não sejam reflexos perfeitos de suas lideranças. Nesse sentido, a frase de Caetano vai além da estética e revela um traço estrutural: aquilo que não reflete o espelho do poder é marginalizado, relegado à condição de satélite sem brilho próprio.

A Estratégia de Sheila Lemos

Por outro lado, a prefeita Sheila Lemos demonstra, mais uma vez, sua habilidade política ao atrair os dois vereadores para sua base. Em um cenário onde a governabilidade depende de alianças sólidas, Sheila conseguiu não apenas reforçar sua maioria na Câmara, mas também consolidar sua imagem como uma líder capaz de construir pontes e incorporar novos atores ao seu grupo político.

Essa movimentação não é apenas estratégica; ela é essencial para a continuidade de projetos e para a estabilidade administrativa. Ao contrário da lógica de exclusão que permeia outros campos políticos, Sheila parece adotar uma prática de inclusão pragmática, onde a adesão e o alinhamento são mais importantes do que a origem ou o histórico político dos envolvidos.

O Latifúndio do Poder

O poder, como um grande latifúndio, é tradicionalmente compartilhado entre poucos, seja à direita ou à esquerda. A adesão de Márcio e Natan à base governista pode ser vista, por alguns, como uma rendição a essa lógica de concentração. Contudo, é preciso reconhecer que, no cenário político local, a alternativa seria o ostracismo. Sem espaço na oposição e sem a benção dos caciques, esses vereadores estariam condenados à inércia, sem voz e sem relevância.

Sheila, ao abrir espaço para eles, rompe parcialmente com essa lógica. Ainda que a base governista também seja um reflexo de interesses e articulações, a inclusão de novos atores demonstra que há, ao menos, uma tentativa de renovação e ampliação do diálogo.

Liderança que Transcende o “Mêtiê”

Um dos grandes desafios da política local e nacional é a capacidade de lideranças transcenderem os limites de seus próprios “mêtiês” — ou seja, de suas bolhas de influência e poder. Sheila Lemos, ao adotar uma postura aberta ao diálogo e à inclusão, parece caminhar nessa direção. No entanto, o verdadeiro teste será sua capacidade de transformar essas alianças em algo mais do que números na Câmara.

A inclusão de Márcio de Vivi e Natan da Carroceria pode ser um movimento estratégico, mas também pode sinalizar uma abertura para novas formas de fazer política, onde o espelho não seja a única referência. Se a prefeita conseguir transformar essa base diversa em um espaço de verdadeiro diálogo e inovação, sua liderança poderá, de fato, transcender os limites do pragmatismo político e se tornar um exemplo de renovação na política conquistense.

Conclusão

A política é, antes de tudo, um jogo de espelhos e reflexos. Quem não se encaixa nas molduras tradicionais, muitas vezes, é excluído ou relegado à margem. A adesão de Márcio de Vivi e Natan da Carroceria à base de Sheila Lemos evidencia tanto as limitações da oposição quanto as possibilidades de inclusão no governo.

Resta saber se essa movimentação será capaz de romper com o tradicional “latifúndio do poder” ou se se limitará a reproduzir suas dinâmicas. De qualquer forma, Sheila Lemos segue demonstrando sua habilidade política e sua liderança, deixando claro que, na política local, o diálogo e a articulação ainda são as moedas mais valiosas.