A venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), uma das joias do setor petrolífero brasileiro, ao fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, em 2021, está sendo contestada sob argumentos que ultrapassam a simples análise econômica. Para Gilberto Bercovici, professor titular de Direito Econômico da USP, a transação foi ilegal e exige uma resposta contundente da Petrobrás e do governo federal: a anulação do negócio e a responsabilização dos envolvidos, incluindo os conselheiros do Cade que chancelaram a operação.
Essa venda, concretizada por US$ 1,6 bilhão, é amplamente vista como um exemplo do desmonte do patrimônio público brasileiro em um período de submissão às agendas neoliberais, que ignoraram a importância estratégica da RLAM para a soberania energética e econômica do país. A refinaria, que já foi responsável por uma parte significativa do abastecimento nacional, é hoje controlada por um fundo estrangeiro que, além de operar sem o mesmo compromisso com o desenvolvimento interno, agora exige um valor muito maior caso o Brasil deseje recomprá-la.
O professor Bercovici oferece uma saída que preserva o interesse público: a desapropriação da refinaria, com o governo federal depositando em juízo o valor original da venda. Essa proposta, fundamentada na legislação brasileira, reforça o entendimento de que ativos estratégicos não devem ser tratados como meras mercadorias. Eles são instrumentos essenciais para o desenvolvimento nacional e devem estar sob o controle do Estado, garantindo a segurança energética e a estabilidade econômica.
A trajetória acadêmica e intelectual de Bercovici dá peso à sua análise. Especialista em Direito Econômico e Teoria do Estado, ele tem se dedicado a estudar a relação entre soberania, desenvolvimento econômico e o papel do Estado na condução de políticas públicas. Sua obra, “Nacionalização: necessidade e possibilidades”, escrita em coautoria com José Augusto Fontoura Costa, oferece um embasamento teórico sólido para discutir a recuperação de ativos estratégicos, como a RLAM, pelo Estado.
O caso da RLAM é emblemático porque transcende a refinaria em si; ele revela uma questão maior: a luta entre o interesse público e o domínio de agendas privadas sobre o patrimônio nacional. A alienação de um ativo tão estratégico fere não apenas o potencial econômico do país, mas também a confiança pública em suas instituições.
A proposta de desapropriação não é apenas uma resposta técnica; é uma declaração de que o Brasil não pode abdicar de sua soberania em nome de interesses rentistas ou agendas externas. É preciso enviar uma mensagem clara de que o patrimônio público, especialmente em setores tão cruciais como o energético, não será negociado sem um compromisso firme com os interesses do povo brasileiro.
A RLAM, em última análise, simboliza a encruzilhada em que o Brasil se encontra: entre o desmonte de seu patrimônio estratégico e a possibilidade de um resgate que reafirme o papel do Estado como garantidor do desenvolvimento e da soberania nacional. Que a coragem política e a mobilização da sociedade civil estejam à altura desse desafio.